(Em termos regularmente anunciados, o Conselho Europeu destes dias mostra à evidência como a questão imigratória da Europa constitui o principal fator de divisão na União, da qual a questão de saber se a decisão nesta matéria deve ser tomada por unanimidade ou por maioria qualificada é a menos importante. Embora as notícias nos esclareçam que a Polónia e a Hungria são os protagonistas principais do escarcel de reações, a Itália navega também no mesmo barco, apenas com a subtil de diferença da primeira-Ministra italiana Meloni ser mais fina e elegante na dissimulação do seu também padrão anti-imigração. A imagem que abre este post que reproduz uma fotografia da Associated Press documenta bem esse triângulo de trincheira e muito sinceramente não vejo maneira das instituições da União desatarem este nó, embora saibamos que os Tratados fixam para esta matéria a maioria qualificada como critério de decisão. A tese da unanimidade não é mais do que uma tentativa desesperada de forçar o poder negocial daquela trincheira de países, cada vez mais alicerçados num nacionalismo xenófobo.)
O que define o espaço para a posição comum dos três países assinalados, Itália, Hungria e Polónia, é o facto das forças políticas que ocupam o poder nesses países terem aí chegado com uma inequívoca afirmação e defesa dos valores de rejeição da imigração, acobertada num nacionalismo agudo e profundamente reacionário. Sabemos ainda que a Polónia está a braços com eleições próximas e com a formação de uma ampla frente de oposição eleitoral que colocará o Partido da Justiça e Liberdade numa grande pressão. Habilmente, o governo conservador polaco tem utilizado o seu capital logístico na ajuda à Ucrânia para dissimular as suas teses de rejeição da imigração. Mas mesmo nesse contexto de aparente dissimulação, o nacionalismo agudo reemergiu quando os polacos rejeitaram aderir à importação de cereais ucranianos contra a sua própria produção e a sua base rural conservadora de apoio eleitoral.
Victor Orbán nunca esqueceu a dimensão da rejeição xenófoba da imigração e nestes momentos de decisão do Conselho Europeu tem sempre reafirmado essa posição, em complexas negociações em que a delicadeza do tema leva a União Europeia e suas instituições a ceder ao infrator.
Dos três países entrincheirados, a primeira-Ministra italiana Meloni é talvez a mais hábil, expondo-se menos nestes momentos de decisão do Conselho, mas atuando no plano da bilateralidade. São conhecidas reuniões de Macron e Pedro Sánchez com Meloni, o que sugere uma posição não de confronto direto, mas antes de tentar minar internamente acordos.
Sabemos que o projeto político europeu é uma mescla complexa de compromissos. Quanto a questão imigratória ocupa o lugar central das grandes decisões, a linha de pensamento dominante ainda consegue orientar os resultados para algo que salve a face do humanismo europeu. Mas o problema é que, por vezes, o tema imigratório faz parte de acordos complexos mais amplos e em que a diversidade de compromissos possíveis pode colocar o progressismo da abordagem à imigração em posição desfavorável. E, tragicamente, a opinião pública europeia parecer estar mais interessada em seguir o fim macabro e implosivo do submersível TITAN do que propriamente pensar de mente aberta no horror do mais recente naufrágio no Mediterrâneo.
A trincheira anti-imigratória está hoje limitada aos três amigos da fotografia. Mas estão na calha movimentações políticas e eleitorais que correm o risco de transformar essa trincheira numa autêntica cratera no coração das instituições europeias.
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