sexta-feira, 9 de junho de 2023

A GUERRA DEMOGRÁFICA NA EUROPA

 


(Além da perceção estranha e historicamente anacrónica de uma guerra no interior do seu território, a Ucrânia, gerada por um líder russo de avaliação racional praticamente impossível, a Europa vive uma “outra guerra”, bem mais silenciosa, gerada pelo declínio demográfico. Longe vai já o tempo em que o declínio demográfico era estudado como uma ameaça ao modelo social europeu, seja na perspetiva das implicações que o envelhecimento traz aos sistemas nacionais de saúde, seja do ponto de vista da sustentabilidade da segurança social. Estamos na fase em que o declínio demográfico é encarado como fator de rebaixamento do produto potencial das economias com toda a gente a clamar a necessidade de mais crescimento. E estamos sobretudo em tempos em que os países percebem que a sua força de trabalho está comprometida, provocando carências de oferta de trabalho nos respetivos mercados. Num contexto de mobilidade plena de trabalhadores e quadros no interior da União Europeia, é natural que vários países se movimentem à procura de soluções, atraindo jovens e profissionais para colmatar lacunas de oferta. E como as disparidades de desenvolvimento sócio económico são ainda acentuadas e o gap salarial está aí para apoiar estratégias mais agressivas de captação de mão-de-obra no exterior, esses desníveis têm muita força e provocam a tal guerra de procura pela força de trabalho. Além disso, em termos de fluxos e não de stocks, a aproximação entre as novas qualificações produzidas nos diferentes países vai sendo concretizada. O cenário é este: qualificações similares e gap salarial anunciam uma guerra perdida para alguns países, entre os quais o nosso.)

Sabíamos que a Alemanha estava já no centro dessa necessidade e procura. Ainda há relativamente pouco tempo, tive conhecimento que instituições alemãs estavam em território nacional a procurar jovens diplomados com qualificações intermédias e em profissões marcadamente técnicas, oferecendo obviamente condições salariais e de instalação sobretudo apoiadas no referido gap salarial e de desenvolvimento socioeconómico.

Entretanto, na minha passagem diária pelos jornais galegos, rotina que ficou dos tempos em que trabalhava na cooperação Galiza-Norte de Portugal e em iniciativas do Eixo Atlântico e que me permitia manter com os meus colegas galegos charlas devidamente informadas, dou conta na Voz de Galicia de que os Países Baixos entraram na corrida da procura de força de trabalho, a partir do momento em que se fazem sentir as primeiras lacunas no seu mercado de trabalho. Uma vez que nos países de entorno imediato, o gap salarial não tem expressão suficiente para entrar ativamente nessa guerra de procura, embora a dimensão transfronteiriça dos mercados de trabalho nesses territórios seja já muito pronunciada, os Países Baixos alargam o raio da sua captação e obviamente a Península Ibérica entra nessa equação.

A notícia daVoz fala da procura de enfermeiros para cuidar de idosos e incapacitados com propostas de remuneração bruta entre 1.856 e 2.411 euros mensais, curso de holandês gratuito e 450 euros de apoio mês para instalação no primeiro ano, de cozinheiros com remunerações brutas de 3.800 euros, de motoristas com 3.200 euros mensais, de pessoal de limpeza, de soldadores, pessoal para aeroportos e outras profissões do género.

O efeito perverso da mobilidade plena de trabalhadores é inequívoco, mas quem se atreverá a colocar em causa esse pilar da construção europeia?

O problema obviamente não está na mobilidade, mas antes no gap salarial e nos desníveis de desenvolvimento europeu que a construção europeia não está a conseguir sanar em tempo útil.

E a minha avaliação é simples e direta. Resolver este problema do declínio demográfico e consequências sobre a oferta de trabalho apenas no plano intraeuropeu conduz no contexto vigente a uma guerra demográfica, que só penalizará os países como Portugal em trajetória de mais desenvolvimento e de melhorias de qualificações com que os jovens chegam ao mercado de trabalho. Como é óbvio, num cenário de saídas por um número limitado de anos e regresso ao país de origem teremos de creditar outras externalidades positivas. Esses jovens profissionais regressarão enriquecidos do ponto de vista das competências. Mas muito dificilmente teremos esse cenário.

Por isso, só num contexto de atração migratória fora do território europeu poderá a guerra demográfica ser mitigada. Nunca esquecendo que os mais desenvolvidos poderão sempre atrair com melhores condições esses migrantes. Como seria de esperar, muitos dos refugiados que Portugal acolheu chegaram com o objetivo de passagem para a Alemanha e outros países do tipo.

 

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