quarta-feira, 14 de junho de 2023

VÁRIAS DO PÚBLICO

 


(Depois de ontem ter elaborado um post com algum fôlego sobre a dimensão territorial do populismo, opto hoje por um registo menos denso e mais diversificado, apoiando-me em alguns estímulos bem interessantes da edição impressa do Público. Nem sempre os jornais nos proporcionam o estímulo reflexivo necessário, sinal dos tempos de abastardamento em que grande parte da comunicação social está mergulhada, mas neste caso damos por bem aplicada a compra da edição impressa. Como seria de prever, os temas reflexivos que destaco andam próximos de algumas incursões neste blogue. Cada qual lê o jornal segundo as suas próprias lentes de interesse e de alinhamento com a nossa própria reflexão.)

Como dar a volta ao nó cego da regionalização?

Começo pelo estimulante artigo de António Cândido de Oliveira, intitulado “A regionalização na revisão constitucional em curso”. O Professor Catedrático jubilado da Universidade do Minho sempre foi em meu entender uma das vozes mais profundas e avisadas sobre o tema da regionalização. O seu entendimento do problema vai muito além de uma abordagem jurídica, mas esses fundamentos da sua vasta obra, acabam por atribuir às suas posições uma consistência que não é fácil encontrar em muitos dos “palradores” sobre o tema. O artigo que publica no Público é muito simples e baseia-se num princípio cristalino – retirar do texto da Constituição a obrigatoriedade da criação de regiões administrativas. Estou com ACO quando ele sublinha a situação desprestigiante em que a Constituição ao não ser respeitada na referida obrigatoriedade, dando azo a todas as formas possíveis para adiar o cumprimento desse preceito constitucional, em que por exemplo o Professor Marcelo é o máximo Artista. Não só a obrigatoriedade da regionalização está na Constituição armadilhada com a exigência referendária, como o caráter facultativo da sua criação beneficiaria mais as forças políticas interessadas na regionalização, permitindo aliás a sua diferenciação, bem mais clarificadas do que todo o jogo de cintura a que algumas forças, principalmente PS e PSD, se entregam para adiar o cumprimento. Por tudo isto, considero o artigo de ACO um excelente contributo para desenlaçar o nó cego em que a regionalização se transformou em Portugal.

Questões de geopolítica e dependência

José Pedro Teixeira Fernandes é um dos melhores a escrever nos jornais portugueses sobre questões de geopolítica. O seu artigo “O fim da globalização liberal e o risco políticoda China” vai nessa linha. Não conhecemos ainda hoje com profundidade que outra globalização vai suceder à globalização que JPTF designa de liberal. Tal como defendi em vários posts neste blogue não acredito numa desglobalização absoluta e no retorno às trevas do isolamento e fragmentação mundiais, mas a verdade é que ninguém se atreve a desenhar os contornos da nova globalização. O cronista desenvolve as inúmeras implicações que o posicionamento face à China vai requerer a muitos dos personagens da globalização, com relevo para os países mais pequenos e, por isso, mais carenciados de uma multilateralidade o mais ampla possível. Rápida e concludentemente, JPTF chega à denúncia do erro estratégico que o grau de exposição no investimento direto estrangeiro de Portugal face à China em infraestruturas cruciais. Esse erro tem um simples nome, TROIKA, acolitada por um governo de Passos Coelho interessado nesta matéria em ir além dessa TROIKA. Tanta pressa existiu que todas as decisões mais marcantes precederam a estratégia nacional que as deveria orientar, um prodígio de imaginação e de subserviência políticas. Podem dizer-me que na altura em que tais decisões foram tomadas, a questão da China estava por descascar. É verdade, mas os princípios da diversificação, nas saídas e entradas de mercadorias e capital, impedindo dependências e vulnerabilidades perigosas, é dos princípios mais antigos de boa gestão da política económica externa, amplamente ignorados nessas decisões. Afinal, pensando bem, a sede era muita …

Os caminhos ínvios da mobilidade elétrica

O jornal publica uma relevante reportagem/artigo de Victor Ferreira sobre a evidência já aqui repetidas vezes reiterada de que a China comanda com grande superioridade a mobilidade elétrica. Num contexto, em que a compra de uma viatura elétrica é ainda essencialmente uma questão de ricos e de empresas, o facto da oferta chinesa se apresentar em mercado com preços significativamente abaixo da sua concorrência mais próxima, respeitando todas as normas de segurança internacionais, coloca a estratégia europeia de controlo da influência chinesa em muito maus lençóis. O mercado suplanta a retórica.

Estaremos a medir bem os impactos do agravamento climático?

Numa sociedade em que a tirania da métrica está instalada e disseminada por todo o lado, começa a surgir investigação que os efeitos de fenómenos conhecidos já há algum tempo como o El Niño estão mal quantificados, designadamente por não terem em conta os défices continuados de PIB que os fenómenos climáticos tendem a gerar. O estudo da Science mobilizado pelo jornal estima perdas globais de 3,8 milhares de milhões de euros para o El Niño de 1982/83 e de 5,3 milhares de milhões de euros para o de 1997/98. Numa altura em que toda a gente clama por mais crescimento, talvez fosse avisado prestar mais atenção a estes números.

E, por fim:

Cormac McCarthy deixou-nos prestes a chegar aos 90, colocando a interrogação de saber se mais alguém aparecerá na cena literária com capacidade para nos proporcionar registos como o de Este País não é para Velhos, o meu preferido do autor.

Para terminar de vez, finalmente alguém regista o obituário de Berlusconi em termos próximos dos que imprimi à notícia em post anterior. Carmo Afonso afirma que “romantizar Berlusconi não é informar”. Assino por baixo.

Resumindo, uma edição de jornal que vale bem a sua compra.

 

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