segunda-feira, 12 de junho de 2023

A DERROTA FUTEBOLÍSTICA DAS AUTONOMIAS

 


(Por razões de saúde que estimo temporárias, nos últimos dias passei mais horas do que é saudável diante do televisor e, nestas ocasiões, tudo o que vem à rede é peixe. Por falar em peixe, obviamente que a Netflix importa, despachei a série Rabo de Peixe em três tempos, fiquei um pouco perplexo pelas críticas selvagens de que a série foi alvo e tenho em curso a visualização de uma outra, A Diplomata, que me tem preenchido o tempo e que vivamente recomendo. Obviamente que o futebol também entra na equação. Além da dececionante final da Champions sobre a qual o meu colega de blogue já se pronunciou, estava à espera que a resiliência do Inter vencesse os milhões do City, mas era sonhar bem alto, deu para desfrutar com mais um título de juvenis do SLB e na noite de domingo preparei-me para antecipar a queda futebolística da Madeira, perante um Estrela da Amadora com financiamento externo, habituemo-nos porque não vamos ser exceção, com Patrick Evra à mistura, creio que testa de ferro para criar uma boa imagem de fundos bem mais distantes. E dei comigo no fim de tudo a refletir sobre o significado do desaparecimento das autonomias (Açores e Madeira) da cena futebolística nacional ao mais alto nível.)

Se a debilidade da economia açoriana pode explicar a incapacidade do Santa Clara se manter entre os grandes nacionais, já na Região Autónoma da Madeira causa-me alguma perplexidade não existir na Região base económica suficiente para justificar um projeto ganhador para o Marítimo. É verdade que Marítimo, Nacional e União da Madeira talvez sejam projetos excessivos para a Região, mas ainda sim custa-me imaginar por que razão não emergiu um alinhamento de forças suscetível de assegurar ao Marítimo um projeto mais ganhador.

Se mobilizarmos informação do passado recente, cedo se percebeu que, no caso do Santa Clara, a gestão do projeto fugia para o manhoso, com uma sequência de Artista da bola, não daqueles que deliciam os espectadores amantes de uma bom drible ou com golos imprevisíveis, mas antes dos que se movimentam nas SAD, nos corredores, alguns com capacidade de branqueamento de senadores e subida ao altar dos senadores, o passado é passado, já lá vai, outros amantes incorrigíveis teimam em permanecer no ativo, conspurcando tudo por onde passam. Cedo se percebeu que o Santa Clara, digno no campo, estava em queda vertiginosa, com uma sucessão impressionante de treinadores e sem personagens como o Rafael de Rabo de Peixe, assassinado implacavelmente às mãos do rufia Arruda. Transformado em plataforma ou mostra de futebolistas aspirando a outros mercados, os Açores viram-se com uma equipa sem identidade e com uma assistência aos jogos em Ponta Delgada que até impressiona pelo deserto das bancadas.

O Marítimo aguentou mais tempo, mas também a sucessão diretiva espelhava intranquilidade e incapacidade de solicitar às forças económicas da Região algum apoio para aspirar a mais altos voos, neste caso a uma simples manutenção. A instabilidade de treinadores é sempre um sintoma de outras doenças e, depois de tantas experiências, lá veio o José Gomes tentar o impossível, com aquele ar impecável de alguém que parece estranho aquele folclore, de fato e gravata.

Claro que no jogo de ontem, depois de numa primeira parte o Estrela da Amadora ter mostrado que é melhor equipa, dirigido pelo rato e astuto Sérgio Vieira, o Marítimo poderia ter evitado as grandes penalidades. Mas, de fora, pressentia-se que o abismo estava ali, que não havia força e qualidade suficiente para se impor ao Estrela.

Não é vulgar termos as duas autonomias regionais, que bem prezo e onde sempre gostei de trabalhar, fora da primeira Liga nacional. Não é que considere que o futebol constitui indicador representativo de potencial económico. Mas quando se olha para o futebol europeu, percebemos que existe um conjunto de equipas florescentes e que atraíram o investimento necessário que se identificam com uma rede relevante de segundas ou terceiras cidades, não identificadas com as capitais. Considero que isso tem algum significado e que projetos como o Maiorca e o Las Palmas são em Espanha o equivalente de autonomias regionais insulares. Por isso, não posso deixar de continuar a pensar que o desaparecimento das duas autonomias regionais do espaço da Primeira Liga representa algo mais do que a aleatoriedade do futebol. Para mim, são reflexos indiretos, da questão central das duas autonomias – a sustentabilidade do seu modelo económico.

Nota complementar:

Entre as curiosidades do fim de festa dos campeonatos, não deixa de ser curioso o sobe e desce, do Belenenses e do Belenenses SAD, o primeiro regressando à segunda Liga e o segundo descendo inexoravelmente à terceira liga, vencido pelo Lank Vilaverdense (parabéns à minha antiga aluna Joana). E, já agora, teremos para o ano, um Atlético (que ganhou o Campeonato de Portugal ou terceira liga) – Belenenses, um regresso ao passado. Se andar por Lisboa, uma ida ao Restelo ou à Tapadinha talvez valha a pena.

 

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