segunda-feira, 12 de junho de 2023

POPULISMOS E SITUAÇÃO ECONÓMICA

 


(A chegada ao poder na Polónia do declaradamente populista e conservador Partido da Lei e da Justiça (PiS), em 2015, ganhando eleições, trouxe uma mensagem clara de afrontamento dos princípios democráticos no país, com validação popular, o que espanta mas não pode ser ignorado. O projeto em curso de subversão do processo democrático envolve uma profunda transformação dos fundamentos institucionais da democracia polaca, como nos documenta MariaSkóra no Social Europe. O controlo político do sistema judicial com a fusão dos postos de Ministro da Justiça e de Procurador Geral, a politização do Tribunal Constitucional, o ataque sistemático a minorias e à imigração, o controlo político da investigação científica, a ofensiva do PiS nos media e a transformação da televisão e rádio pública em cadeia de propaganda governamental estão documentados como derivas antidemocráticas, que têm colocado as autoridades de Bruxelas em alerta constante. Entretanto, a economia polaca prossegue a sua sustentada trajetória de convergência de que a evolução do PIB per capita e da taxa de desemprego são aproximações credíveis. Estamos por isso em terreno sugestivo para analisar as primeiras fissuras do populismo polaco que parecem emergir da sociedade, mais irrequieta do que os líderes do PiS desejariam e com uma surpreendente quota de popularidade da integração na União Europeia, estimada em últimas sondagens em 85%.)

Há dias no Twitter, o economista Branko Milanovic, tantas vezes citado neste blogue, respondendo a um amigo acerca de uma interpretação rápida do êxito económico polaco explicitava os fatores determinantes dessa trajetória: amplo mercado interno, proximidade física à Alemanha, existência de fortes elementos de presença do mercado antes da transição política, agricultura privada de elevada expressão e população etnicamente homogénea. Talvez acrescentasse a esses fatores o nível elevado de qualificações e o nível elevado de resiliência face a uma história tantas vezes adversa.

A sustentada trajetória de convergência da economia polaca não deve fazer esquecer, porém, a sua ainda elevada dependência do carvão como um sério constrangimento do futuro próximo, o que pode ser compreendido a partir dos cerca de 100.000 mineiros ainda empregados nas minas de carvão.

De qualquer modo, a emergência do populismo polaco ocorre num ambiente económico aparentemente não favorável à movimentação dos “left behind”. A forte movimentação política de rua que a oposição ao PiS ostentou nas grandes manifestações do passado dia de 4 de junho permite compreender que existe na sociedade polaca uma polarização extrema entre dois blocos, o conservador e o progressivo que, esse é que é o dado curioso, acontece com uma situação económica global bastante favorável, sobretudo quando é analisada do ponto de vista da sua evolução ao longo do tempo. E não deixa de ser curioso que, perante uma população que valora muito positivamente a integração na União Europeia, haja um poder instalado que faz tudo para comprometer a conformidade do modelo polaco com os princípios da liberdade. É verdade que o regime do PiS, como acontece frequentemente com populismos mais ou menos autoritários, vai mostrando fissuras de lisura de comportamentos e corrupções pontuais.

Não é possível ainda avaliar com segurança se a força resiliente evidenciada pela oposição lhe poderá abrir o caminho de uma possível vitória eleitoral, especialmente se for às urnas unida e não fragmentada.

Atrevo-me a considerar que a polarização instalada na sociedade polaca não tem uma raiz económica, nem assenta em situações amplas e reconhecidas de grupos potencialmente considerados como pertencentes a universos de “left behind”. A polarização parece acontecer em torno de valores e de visões para o futuro da sociedade polaca. O conservadorismo de base religiosa obviamente que não desaparecerá tão cedo da sociedade polaca e não tenho pesquisa suficiente para avaliar se a juventude emergente e qualificada trará novas condições. Por outro, o forte lobby da agricultura privada estará sempre na base de posições extremas, em rota de colisão com a União Europeia, como aconteceu recentemente com a rejeição plena das importações de cereais ucranianos.

Por todos estes motivos, a evolução do populismo conservador polaco merece atenção futura. Uma boa notícia seria a resiliência dos polacos conseguir por si a viragem política. Mas isso talvez seja pedir demais.

 

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