quinta-feira, 8 de junho de 2023

A ANDALUZIA COMO LABORATÓRIO SOCIAL E POLÍTICO DA ÁGUA

 


(A Andaluzia parece condenada a estar no centro do furacão da política em Espanha. Aí começou o declínio do PSOE, quando os bastiões desse partido começaram a ceder e alguns casos de corrupção associados a uma longa permanência no poder surgiram. Foi também na Andaluzia que o PP de Feijoo jogou a sua grande cartada, conquistando a maioria absoluta do Governo regional e prescindindo do VOX para a tomada de poder, na pessoa de Juanma Moreno, um político moderado claramente pertencente ao universo de Feijoo. A Andaluzia foi também nas recentes eleições municipais um dos grandes troncos da vitória do PP e Feijoo muito gostaria que os resultados aí obtidos fossem extrapoláveis para o resto da Espanha. A ideia da linha vermelha com o Vox seria desnecessária. Mas a Andaluzia corre o risco de se transformar no centro de outros debates, já que o problema da água e da sua escassez e o impacto daí resultante nos sistemas de produção agrícola vão estar no debate sobre a sustentabilidade futura da economia espanhola. Mesmo que arrisque dizer que o problema estará muito provavelmente fora da barganha política das eleições do tudo ou nada para Pedro Sánchez, mesmo que ainda conserve a esperança de que um desesperado PSOE traga o assunto para o debate eleitoral).

Adam Tooze recorda o assunto no seu Chartbook nº 223, recentemente publicado, quando refere a agricultura andaluza como particularmente sensível ao tema da água e da sua escassez. Já no Chartbook nº 214, Tooze chamara a atenção para a centralidade do cultivo do azeite nessa questão (o Alentejo tem obviamente interesse nessa questão, embora já tenha ouvido boas almas clamar que o problema da produção do azeite não é a água, mas antes a intensidade com que o solo é trabalhado de maneira a responder a tão elevada concentração de oliveiras). Agora estende o tema à produção de morangos, avançando com um número que me surpreendeu bastante: “são necessários 300 litros de água para um quilo de morangos de exportação”.

Temos assim que a Andaluzia se transformou num verdadeiro laboratório político e social sobre o problema da água, já que o problema da seca e do agravamento do aquecimento climático vem ditar a reconsideração dos modelos agrícolas dela mais diretamente tributários. O problema é conhecido. A escassez de água conduz a que os produtores procurem por todos os meios contornar essa escassez e assim assegurar a continuidade dos modelos e a sua rendibilidade. O impacto nas reservas de água subterrâneas, uma reserva para situações excecionais, e na extração ilegal de água completam, regra geral, o panorama.

Os números revelados pelo gráfico, com fonte na Greenpeace, anotam bem o agravamento do problema nos últimos tempos, de modo a que a extração ilegal supera já a legal, indiciando o caráter explosivo do tema.

A questão saltou naturalmente para o debate político entre o PP e o PSOE, sobretudo no quadro da área protegida de Donaña, com a Comissão Europeia ao barulho.


 

Mas o gráfico imediatamente acima, também com fonte na Greenpeace, mostra que o problema espanhol não se circunscreve à Andaluzia, embora seja nesta última que ele vai transformar esta região numa espécie de laboratório social e político centrado na escassez de água: vão predominar os interesses extrativos e imediatistas ou, pelo contrário, vai aqui germinar uma solução de sustentabilidade futura, que terá obviamente de acautelar as perdas que o modelo tradicional, que não equaciona essa escassez, irá naturalmente experimentar?

Bem podem as forças políticas iludir a questão para proteger interesses eleitorais recentemente conquistados (penso que o PSOE não o fará). Mas não será por isso que ele vai desaparecer. Seria bem mais interessante pensar na investigação científica e tecnológica como solução de mais longo prazo para mitigar o problema. Podem dizer-me, entretanto, que isso trará danos ao sabor dos morangos. Mas, se quisermos ser rigorosos, o sabor da cultura intensiva de morangos com os tais 300 litros de água por kilo produzido já é perfeitamente insípido e sem qualquer prazer para o palato.

 

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