sábado, 10 de junho de 2023

MONTI LEMBRA O MERCADO ÚNICO EUROPEU

(Murray Webb, https://natlib.govt.nz) 

Após uma carreira muito preenchida em que também desempenhou funções enquanto comissário europeu, Mario Monti foi figura marcante da governação italiana até há dez anos e durante um período de crise aberta e especialmente melindrosa para o seu país e para a construção europeia. Agora afastado das lides políticas e já com 80 anos, veio à liça há dias no “Financial Times” para defender uma das suas damas mais queridas, o mercado único europeu. Argumentando aliás em linha com outros autores e analistas que referem a presidência de Ursula von der Leyen como sendo aquela que se tem mostrado menos atenta à importância de uma questão decisiva para o projeto europeu que foi afirmado há já mais de trinta anos (veja-se o gráfico abaixo, o qual evidencia que a ação de Bruxelas contra a violação das regras do mercado interno ― criadas para garantir a livre circulação de mercadorias, capitais, serviços e pessoas em todo o bloco ― terá caído 80% entre 2020 e 2022, os primeiros três anos do mandato de Ursula). Assim se tem vindo a induzir objetivamente (porque, no plano doutrinário, a Comissão continua a saudar o mercado único como “uma das maiores conquistas da UE” e a sublinhar quanto o mesmo impulsionou o produto interno bruto dos países da UE em cerca de 9%) alguma facilitação da adoção de padrões diferentes pelos Estados membros, com impacto na concorrência relativamente aos EUA e à China, e a observância de sinais diversos de aumento de medidas protecionistas por parte dos governos nacionais (especialmente os grandes). Daí os múltiplos sublinhados que o jornalista Ian Johnston selecionou no artigo que escreveu por ocasião do “Dia da Europa” ― atente-se em alguns: “a Comissão teve preocupações de curto prazo com a Covid, a Ucrânia e o Brexit” mas agora “o foco tem que estar no mercado único” e, ainda, “não podemos fazer geopolítica sem o mercado interno: é o que impulsiona nossa competitividade”. 


O alerta de Monti insere-se muito bem neste quadro, mas estrutura ainda mais rigorosamente o argumentário e fá-lo em linha com as propostas e proclamações políticas que tendencialmente vão emergindo, seja por motivos de ordem nacional e/ou proclamadamente europeia seja por razões forçosas de natureza conjuntural; leia-se, as ideias de autonomia estratégica e segurança económica tornadas prioridades absolutas (fashionable new preoccupations) face às ameaças geopolíticas e que, segundo Monti, “ameaçam as fundações da integração europeia”. Inteligentemente, o economista italiano encosta-se, então, a Macron (“o que precisamos agora é de um enquadramento abrangente para implementar esse consenso europeu sobre soberania”) para sustentar que quaisquer daquelas ideias não devem ser levadas à prática no plano nacional mas preferencialmente através de uma mais eficaz junção de forças e, portanto, de tal inferindo que “o mercado único e certas políticas comuns merecem maior prioridade do que recebem atualmente”.

 

E Monti vai ainda um pouco mais longe, quer ao deixar uma pequena bicada aos franceses (“Macron passou a enfatizar a política industrial, uma preocupação tradicional francesa” e “acredito que a política industrial, desde que formulada com clareza, pode ser importante”, embora, se assim não for, “os danos causados ao mercado único minariam a principal fonte de competitividade europeia”) quer sobretudo ao enfatizar a necessidade de upgrading the single market, i.e., de uma “ação urgente para melhorar a sua profundidade e resiliência” (destaque para que “é surpreendente que os instrumentos de que a Comissão dispõe para lidar com as infrações às regras do mercado único sejam os mesmos de 30 anos atrás”, que é preciso avançar no relevante setor dos serviços, que “a extensão da integração na chamada união bancária e de mercados de capitais é lamentável” e que “a fluidez do mercado único ainda é significativamente prejudicada por interconexões inadequadas nos transportes, energia e telecomunicações”).

 

A experiência e a autoridade de Monti tornam altamente oportuna esta sua incursão potencialmente impactante em Bruxelas e nas grandes capitais europeias. Essencialmente porque a liderança de Ursula, tendo sido muito bem-sucedida no enfrentamento dos trágicos acontecimentos que se lhe depararam (pandemia e guerra, em especial), talvez tenha minimizado a consolidação e afirmação daquele que deverá ser o seu posicionamento determinante; a saber, e citando Monti, melhorar a governação e lograr incrementar a aceitação do papel da Comissão. Um texto que merece ser tido em conta, pois!

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