(Confesso que não segui com atenção o alarido furioso que a regulamentação por portaria do decreto-lei que estabeleceu os apoios ou subsídios de renda suscitou. Estou um pouco cansado da permanente incapacidade do PS de valorizar o seu próprio capital de conhecimento em matéria de política de habitação, passando por cima de gente que sabe como ninguém de habitação como, por exemplo, a Arquiteta Helena Roseta. Apercebi-me que a produção legislativa inicial estava ao nível da muito baixa qualidade e precipitação com que o Governo tem legislado e que a necessidade de regulamentação para corrigir a trajetória era inevitável. Mas, repito, não me apercebi do caráter confrangedor simultaneamente da baixa qualidade da produção legislativa e do alarido suscitado. Mas o Princípio da Incerteza de ontem dissipou-me todas as dúvidas. Simplesmente confrangedor.)
Foi assim necessário ouvir primeiro a cada vez mais lúcida Alexandra Leitão e depois a notável e incisiva intervenção de António Lobo Xavier para compreender o estado da arte do ridículo a que a fraca qualidade legislativa e o desaforo do debate político em Portugal nos conduziram.
Como ALX o explicou, o subsídio de renda é um instrumento de apoio público ajustado ao processo inflacionário em curso de grande alcance no plano comparativo europeu, sobretudo do ponto de vista da sua cobertura social (cerca de 150.000 famílias), que entra pela classe média adentro, alguma da qual se viu em situação muito difícil para satisfazer os seus compromissos. Ou seja, politicamente, o PS desbarata a valia única de um instrumento, mergulhando-o numa controvérsia que desvaloriza de sobremaneira o seu relevante alcance político. Por aqui a situação já era suficientemente confrangedora, com dano que chegue para a credibilidade da Ministra da Habitação.
Mas o problema agrava-se com a iniquidade e imoralidade da produção legislativa que trouxe o subsídio de renda a público. Baseado numa compreensível demonstração da condição de recursos dos possíveis beneficiários, a legislação limitou erradamente os valores de referência do rendimento bruto aos que são registados em sede de IRS, abrindo imoralidades muito sérias, pois é de rendimento global que deve falar-se e não apenas de rendimento inscrito em sede de IRS. Sem explicar a imoralidade potencial criada por uma legislação incompetentemente desenhada, a regulamentação posterior procurou obviamente corrigir o tiro de partida, dando, entretanto, origem a um furioso debate que oposição e jornalismo de circunstância acenderam de modo pavloviano, não se dando conta da profunda imoralidade criada pelo erro legislativo inicial.
O que é manifestamente confrangedor é o facto da intervenção de António Lobo Xavier ter clarificado a completa ausência de tratamento político da questão que alguém em sede governamental deveria ter realizado e não o fez, contribuindo para o achincalhamento de uma medida única no âmbito da mitigação dos efeitos da inflação.
Já não é a primeira vez que identifico áreas governativas em que a valia dos resultados alcançados tem merecido da parte do Governo e do PS um tratamento político canhestro, reduzindo assim a consequência das políticas. É o caso dos resultados na redução do insucesso e abandono escolar, da valorização do ensino profissional e dos resultados da política de inovação.
Apetece perguntar se o PS e Governo estão alinhados com uma espécie de síndrome de Fernando Mamede, mostrando-se incapazes de capitalizar o que de positivo está a ser alcançado. Ou será que a má consciência das trapalhadas e incompetências é tal que ofusca a racionalidade de mostrar o que de valioso tem sido alcançado noutras áreas da governação?
Por agora agradeçam ao António Lobo Xavier.
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