domingo, 25 de junho de 2023

UCRÂNIA E UNIÃO SOVIÉTICA: ALGUNS ELEMENTOS INCONTORNÁVEIS DA HISTÓRIA

 

(O conflito suscitado pela demoníaca invasão da Ucrânia pela Rússia tem-me suscitado imensas leituras destinadas para melhor compreender a resiliência e determinação dos Ucranianos e procurar por algum racional oculto na agressão russa. Entre o material que tenho consultado regularmente, a obra de Serhii Plokhy, The Last Empire – The Final Days of the Soviet Union, publicada em 2014 com um novo prefácio pela Basic Books, tem sido uma fiel companheira dos refrescamentos de memória e de novas leituras que mais enriqueceram a minha redescoberta da história.)

Em edição paper back, a obra tem cerca de 500 páginas e, por isso, embora condensada no chamado fim da União Soviética, compreende-se que se trata de uma análise histórica não suscetível de ser comentada num único post. Mas essa não é também a minha intenção. Interessa-me sobretudo destacar alguns aspetos que me permitam compreender o que a Ucrânia representava nos tempos de Gorbachev e depois de Yeltsin.

Trago hoje para este objetivo um excerto do capítulo 3, que considero particularmente revelador do peso e significado que a Ucrânia representava nesse processo.

“(…) Desde os anos 50, a elite do partido Ucraniano não governava apenas a sua própria República mas era também um novo parceiro na condução da própria União Soviética. A “segunda república Soviética”, como a Ucrânia ficou conhecida na ciência política ocidental, tinha celebrado um acordo informal de partilha de decisão com a contraparte Russa nos anos 50, enquanto o partido Ucraniano apoiou a longa caminhada para o poder em Moscovo do durante longo tempo primeiro-Secretário do Partido Comunista da Ucrânia, Nikita Khrushchev. Como os Russos não tinham o seu próprio partido comunista, liderando em contrapartida globalmente todos os partidos da União, os quadros do partido Ucraniano emergiram como o maior bloco com poder de voto nos congressos do partido em Moscovo. Usaram bem o seu poder de voto. Krushchev trouxe dúzias dos seus apoiantes Ucranianos para Moscovo e orientou-os para importantes posições de poder. Mais do que outra coisa, a sua expulsão do poder no golpe do Kremlin de 1964 favoreceu o estatuto dos quadros Ucranianos.

A substituição de Krushchev na liderança do partido consumou-se com Leonid Brezhnev, de etnia Russa proveniente da Ucrânia que tinha retirado a designação de Ucraniana da sua nacionalidade quando se registou no partido nos anos 30. Nikolai Podgorny (em Ucraniano Mykola Pidhorny), outro nativo da Ucrânia, tornou-se no chairman do Soviete Supremo, a cabeça formal do estado Soviético. O posto de chefe do Governo foi anos 70, foi substituído por outro antigo funcionário Ucraniano, Nikolai Tikhonov. O ministro do Interior e dois dirigentes superiores do KGB eram membros do clã Brezhnev e produtos da máquina partidária Ucraniana. O papel do clã do Dnipropetrovsk continuou até mesmo depois da demissão de Brezhnev: a liderança precária foi atribuída a Volodymyr Shcherbytsky.

Mas depois da morte de Brezhnev em 1982, o KGB sob a direção de Yurii Andropov assumiu o controlo do Kremlin. Andropov trouxe para a frente política Gorbachev, o qual, embora sendo meio-Ucraniano, não tinha qualquer ligação com a máquina partidária na Ucrânia ou com Ucranianos na capital. Mais ainda, Gorbachev substituiu Shcherbytsky no seu posto na Ucrânia e bloqueou o pipeline que trazia funcionários Ucranianos para Moscovo e aumentava a sua influência na capital. Sem quaisquer perspetivas de prolongamento das suas carreiras no centro da União e sob ataque em casa, a elite do partido Ucraniano sentiu-se traída por Moscovo. O acordo que tinham com a União desde os tempos de Krushchev – lealdade em troca de um domínio ilimitado em casa e partilha de poder no centro – já não produzia qualquer efeito, além de já não serem os mesmos que o tinham celebrado.

O ressentimento da elite Ucraniana começou logo a seguir à catástrofe nuclear de Chernobyl em abril de 1986. A central nuclear era totalmente gerida sob o controlo de Moscovo, mas foram as autoridades Ucranianas as encarregadas de lidar com as consequências de longo prazo do desastre e assumir o cuidado dos que foram deslocalizados das zonas afetadas. Além disso, Moscovo forçou a realização da marcha de Maio mesmo com o risco da nuvem nuclear poder atingir Kiev. A elite do partido acreditou que Gorbachev tinha forçado Shcherbytsky a realizar a marcha, ameaçando-o com a expulsão do partido se ele não aceitasse. Chernobyl gerou um movimento de protesto de massas contra as autoridades e também neste caso foi a elite Ucraniana que foi obrigada a gerir a situação. Mas no topo da situação, o centro da União estava agora a encorajar os movimentos democráticos na República, o que iria enfraquecer ainda mais o poder das autoridades. A elite do partido Ucraniano sentiu-se traída, abandonada e furiosa. Agora, o centro (Moscovo) só lhes estava a trazer mais complicações.”

Considero estes parágrafos cruciais para compreender a história recente da Ucrânia, ou seja o que ela representava na transição falhada por Gorbachev.

 

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