quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

QUEM DEVE A QUEM?


O Boletim Estatístico de Dezembro passado do Banco de Portugal permite analisar a evolução da dívida do setor não financeiro da economia portuguesa – estado, empresas privadas, empresas públicas e particulares – e de quem a financia. Explorámos expeditamente os dados e estabelecemos uma comparação entre o final de 2007 (dezembro) e o mês de outubro de 2013.
Eis alguns resultados.
A dívida total do Estado (General Government) cresceu cerca de 91% no período considerado e viu a sua estrutura de financiamento alterar-se com o setor financeiro a mais do que duplicar o seu peso como financiador, em detrimento de quedas no financiamento externo e dos particulares. A este comportamento correspondeu um aumento do peso da dívida do Estado no total da dívida do setor não financeiro de 22 para cerca de 33%.

A dívida das empresas públicas (incluídas ou não nas administrações públicas) aumentou 57% no período considerado e teve no orçamento geral do estado um aumento considerável enquanto financiador (de praticamente zero para cerca de 25%), com descida considerável do financiamento externo.
Quanto à dívida das empresas privadas, a sua estrutura de financiamento não se alterou consideravelmente, observando-se apenas uma troca entre financiamento a cargo do sistema financeiro interno (de 47% para 39%) e o assegurado através do exterior (de 12,5% para 21%).
Quanto à divida dos particulares, a sua estrutura de financiamento permaneceu praticamente imutável, tendo aliás descido de peso no total da dívida dos setores não financeiros.
Aliás, cruzando os dados do Boletim de dezembro de 2013 com informação do sistema bancário, observa-se que as sociedades não financeiras têm vindo a reduzir as suas necessidades de financiamento, estimadas em junho de 2013 em -2,4% do PIB, embora o total da dívida dessas sociedades corresponda ainda a 144% do PIB. Por sua vez, os particulares têm vindo a amortizar dívida, estimada em junho de 2013 em 98% do PIB, graças a um aumento sustentado da sua capacidade de financiamento.
Moral da história: empresas (menos) e famílias (decisivamente mais) têm vindo, respetivamente, a reduzir necessidades de financiamento e a incrementar essa capacidade, ao passo que o Estado apresenta um comportamento menos sustentado. Poderia dizer-se que tal seria benéfico: empresas e famílias desalavancam, enquanto o Estado cumpre uma função compensatória. Mas isso é ilusório, pois na prática isso não corresponde a um estímulo compensatório. A dívida pública está enredada nas suas contradições.
Por muito que nos queiramos alhear desta questão, a verdade é que qualquer alternativa de governação terá de ponderar seriamente como sair desta embrulhada.

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