sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O FED ESTÁ NA BERLINDA

(Narayana Kochelakota, University of Rochester)
(Lars E.O. Svensson, Stockholm School of Economics))



(A recente decisão tomada pelo FED – USA de aumentar taxas de referência e de lançar para os mercados a ideia de uma subida gradual dessas taxas ao longo de 2016 continua a suscitar as mais sérias reservas e a não estar refletida em indicadores de mercado)

O comportamento do FED – USA em matéria de gestão macroeconómica tem estado sob o foco deste blogue. As razões são simples. Primeiro, o estado de saúde da economia mundial está hoje francamente dependente da robustez de recuperação da economia americana. Segundo, os resultados da sua intervenção fornecem-nos elementos cruciais de informação para compreender as razões de tão lenta recuperação após os acontecimentos de 2007-2008. Terceiro, esses mesmos resultados também nos informam sobre a razoabilidade do diagnóstico mundial realizado pelo FED para enquadrar tal decisão. Por outras palavras e em resumo, em torno da decisão do FED estão em jogo questões cruciais para a avaliação do estado da arte da macroeconomia e da sua capacidade de fundamentar a intervenção dos bancos centrais.

Algum tempo já passado sobre a referida decisão tomada pelo corpo executivo do FED, sucedem-se os comentários quanto à mais que provável incapacidade da economia americana aguentar uma subida gradual da taxa de referência de cerca de 1 ponto percentual através de quatro esperados aumentos ao longo de 2016.

Tenho seguido mais recentemente as posições de Narayana Kocherlakota, professor de economia da Universidade de Rochester que, entre 2009 e 2015, foi presidente e CEO do Banco da Reserva Federal de Minneapolis, com assento por essa via no FOMC do FED – USA. Como enquadramento a um pequeno post publicado ontem por Kocherlakota (ver link aqui), é importante recordar que o FED assumiu a decisão de aumentar gradualmente as taxas de juro de referência no pressuposto de que, a longo prazo, os preços na economia americana evoluiriam no sentido de se aproximarem da meta dos 2% de inflação, o valor base em função do qual o FED guia a sua intervenção estabilizadora. Ora, como não é difícil compreender, uma taxa de inflação desta natureza pode ser antecipada através de alguns indicadores de mercado (taxas de juro) que procurem antecipar no tempo a inflação projetada para o longo prazo. Entre outras modalidades para o fazer, o sistema financeiro tem uma categoria de títulos que são indexados precisamente em função da taxa de inflação que se antecipa a 10 anos. É aquilo a que Kocherlakota chama instrumentos de mercado de compensação da taxa de inflação a longo prazo. Seguindo com atenção essas taxas de compensação da inflação a longo prazo acabamos por ter uma via indireta para antecipar o modo como o mercado está a antecipar essa inflação.

Ora, Kocherlakota chama a atenção, e creio que o faz com pertinência, para o facto dessas taxas estarem numa tendência sistemática para a baixa, já desde 2004 e não há quaisquer sinais que tenham reagido em sentido contrário após o FED ter reafirmado a sua ideia de que a taxa de inflação se aproximará desse referencial. Vários economistas têm sublinhado a insuficiência que resulta do FED encarar a meta dos 2% mais como um teto do que uma meta – referencial. Se a perspetiva for de meta-referencial então teriam de admitir-se períodos de crescimento dos preços acima dos 2% para em média proporcionar uma taxa de inflação de longo prazo de 2%. Perspetiva totalmente contrária resultará dos 2% serem entendidos como um teto.

Face à permanente descida das taxas de compensação da inflação a longo prazo, Kocherlakota identifica uma de duas situações: ou existe (algo que ele considera ser uma relação teoricamente pouco fundamentada) uma relação transitória e misteriosa entre o comportamento desses títulos indexados à inflação de longo prazo e a descida dos preços do petróleo ou então o que o mercado estará a dizer de forma clara é que não acredita na capacidade do FED influenciar a taxa de inflação a longo prazo. As consequências para a gestão macroeconómica da segunda destas possibilidades são extremamente gravosas. A credibilidade do FED e da política monetária estarão em risco sério. Num contexto problemático dessa natureza, teimar em aumentar as taxas de juro de referência com as expectativas de inflação a longo prazo a não reagirem à política do FED significará tornar a recuperação menos robusta. Kocherlakota não hesita em considerar que o FED deverá rever o mais depressa possível a sua decisão.

Lawrence Summers vai no mesmo sentido numa entrevista ao Bloomberg. É taxativo na sua afirmação de que a economia não aguentar quatro esperadas subidas da taxa de referência.

A mais representativa evidência de que a política monetária pode ser precocemente restritiva e assim minar toda uma recuperação é dada pelo cada vez mais estudado erro de política monetária praticado pelo Banco Central da Suécia quando entre junho/julho de 2010 e julho de 2011 aumentou a taxa de juro de referência de 0,25% para 2%. O Professor Lars E.O. Svensson da Universidade de Estocolmo, então no Banco Central e que foi um dos grandes adversários dessa precipitada decisão, tem desenvolvido um trabalho sistemático de denúncia desse erro. Sabe do que fala e tem mostrado que não foi por falta de informação na altura que esse erro foi cometido.

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