quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

AS ELEIÇÕES AMERICANAS E A WHITE WORKING CLASS




(Seria bom que prestássemos mais atenção à antecâmara das eleições americanas, pois, pelo que se vai conhecendo, o desfecho de tais eleições não será indiferente para acalentarmos uma visão progressiva do mundo)

Pela minha parte basta o primarismo de Donald Trump para me pôr em guarda quanto aos possíveis rumos que a nação americana pode prosseguir, rumos não civilizados e anunciadores do agravamento de todos os conflitos que têm transformado este mundo em algo de perigoso e de não recomendável. Sou muito sensível ao aspeto somático dos candidatos e aquele naco de cabelo louro no topo daquela desequilibrada e arrogante cabeça gera-me toda a incomodidade e preocupação.


Por isso, as minhas antenas de blogue começam a orientar-se para o que se vai passando pelo lado de lá do Atlântico.

Começo hoje esse programa de reorientação de antenas por um artigo de Robert Reich, interrogando-se sobre as razões pelas quais os Democratas perderam a classe operária branca (onde é que já se passou isto?). Embora o posicionamento democrata seja também o resultado da interação com a perda pelos Republicanos dos seus valores mais intrínsecos, para dar origem a uma adulterada visão dos valores americanos, Reich não deixa os Democratas fora das responsabilidades. Fala assim de cumplicidade democrata para cinco grandes razões para o descolamento da classe operária branca:

  • Foco na massa volátil de eleitores suburbanos de rendimento superior, pretensamente apontados como garantia de vitória ou derrota;

  • Grande dependência do financiamento de campanhas, não por dinheiro público, mas por dependência de grandes empresas, Wall Street e grandes riquezas;

  • Tibieza regulatória da concentração empresarial;

  • Pactuaram com a ofensiva antisindical, fonte de poder e resistência da classe operária branca, cuja percentagem de sindicalização caiu vertiginosamente dos 22% dos tempos de Clinton para os 12% de hoje, falhando na produção de legislação sancionadora de violações grotescas da legislação no mercado de trabalho;
  • Apoio aos grandes acordos comerciais regionais não preservando devidamente os seus impactos na destruição de emprego;
  • Resgates financeiros em Wall-Street com proteção desta última, ao passo que os impactos nos proprietários de habitação própria se intensificavam sem proteção especial.
Duras responsabilidades aparecem aqui retratadas, apesar dos esforços mais recentes de Obama sobretudo no plano da saúde, que contra tudo e contra todos na esfera republicana o presidente em vias de terminar o seu mandato conseguiu deixar como grande marca do seu mandato.

Que a situação da classe operária branca americana e das classes médias americanas têm vindo a degradar-se a uma velocidade vertiginosa é algo que a evidência empírica económica e sociológica demonstra contra qualquer tentativa desesperada para ocultar essa degradação. É do conhecimento generalizado o estudo dos fins de 2015 que Anne Case e o mais recente Nobel de Economia Angus Deaton realizaram sobre as condições de morbilidade e de mortalidade da população branca americana, sobretudo da que é possível associar à classe média. O estudo de Case e Deaton mostra uma incidência tão perniciosa de suicídios e outras morbilidades associadas ao consumo de álcool e de drogas que, pelo menos para o escalão etário dos 45 aos 54 anos de americanos brancos, foi invertida a conquista civilizacional do aumento da esperança de vida. Interpretar estas peculiares condições de morbilidade descontextualizando-as da degradação económica, política e social imposta ao operariado americano equivaleria a uma mistificação condenável.

O gráfico que abre este post e o gráfico acima mostram bem como o escalão dos 45 aos 54 anos concentra uma grande parte da tragédia da população branca não hispânica, sendo flagrante o confronto penalizador com a situação de outros países.

Voltaremos a esta questão, bem evidenciadora dos custos sociais das fragilidades no mercado de trabalho para certos grupos sociais. E, mais do que isso, haverá outros fatores a ter em conta para além dos que Reich aponta no seu artigo mais recente. Um estudo do PEW RESEARCH CENTER mostra uma outra clivagem que é a da divergência aguda entre os trabalhadores com formação e sem formação (com e sem educação de “high school”), fratura que toca bem no âmago de uma classe média em queda profunda, após o desaparecimento de salários mais elevados para os menos qualificados.

Não me venham com a advertência de que a economia americana não pode ser extrapolada. Estaremos provavelmente perante tendências transversais a todas as economias de mercado e com o desfasamento temporal do costume lá cá chegarão.

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