(Enquanto aguardo
que a AMAZON UK consiga compensar o atraso da publicação face aos EUA, várias recensões críticas confirmam o que
previra no início deste ano. O “The Rise and Fall of American Growth” de Robert
J. Gordon será seguramente uma das obras que marcará o ano de 2016)
É bastante irritante pressentir que o debate sobre uma obra
marcante está no ar nos EUA e que a AMAZON UK continua atrasada no seu envio
para este leitor ávido de surpresas editoriais.
A estratégia editorial da Princeton University Press e do
próprio Robert J. Gordon contemplou a publicação em vários sítios WEB de alguns excertos da obra, que tem sido assegurada ao mesmo tempo que algumas recensões
críticas estão a ser também publicadas. Isso é bom para a riqueza do debate que
está a ser suscitado. A economia política necessita desse reconhecimento em domínios
mais dificilmente contemplados pelo jornalismo económico, mentalmente ocioso e
pouco propenso a grandes debates.
O tema já por repetidas vezes foi objeto neste blogue da
minha atenção. Como tenho vindo a salientar há várias famílias de pensamento
económico que se têm preocupado com a moderação dos ritmos de crescimento económico
que temos vivido e, tudo indica, que iremos proximamente viver. E embora os números
da economia chinesa continuem comparativamente a impressionar-nos, ela própria
tem sido sujeita a uma maior moderação de crescimento, o que faz pensar em tendências
mais vastas para além da economia americana e de uma Europa cada vez mais
atrofiada nesse capítulo. Ora, uma das vias interpretativas dessa moderação de crescimento
que mais debate tem suscitado é precisamente aquela que ousa afirmar que o progresso
técnico do futuro não irá assegurar as mesmas condições de crescimento económico
rápido e de aumento do bem-estar material individual que as inovações do período
1870-1970 proporcionaram. A expressão “ousar afirmar” não é inocente. É que a
inovação continua a ser um fenómeno indeterminado. Os economistas têm aprendido
a compreender a inovação tal como ela se manifesta em certos contextos e períodos.
Mas isso não significa que possamos antecipar os seus contornos futuros.
Como explicar então que um economista prestigiado e
rigoroso como Robert J. Gordon “ouse” antecipar que o progresso técnico do futuro
não nos proporcionará os ritmos de crescimento de que o mundo usufruiu pelo
menos até 1970? É isso precisamente que faz deste debate algo de entusiasmante.
A abordagem de Gordon tem um racional. Ele compara as inovações
do período 1870-1970, mais propriamente do subperíodo 1920-1070 com a revolução
digital operada após 1970, na qual são identificáveis dois subperíodos relevantes,
o expansionista de 1994-2004 e o de crescimento anémico de 2004-2015. Ou seja, Gordon
coloca em confronto os efeitos na economia de nuvens de inovações como a
utilização de energias fósseis, o motor de combustão interna, metais avançados
e automatização fabril, que deram origem à iluminação elétrica, à canalização interna,
às aplicações domésticas, aos veículos motorizados, transporte aéreo, ar condicionado
e televisão com os resultados económicos da revolução na informação digital e
nas tecnologias de comunicação, iniciada com a era dos computadores e posteriormente
acelerada pela generalização da internet.
A referida comparação tem uma métrica e essa é dada por
um dos indicadores mais controvertidos da economia aplicada, a produtividade
total ou global dos fatores, também designada nos trabalhos da OCDE por “multifactor productivity”. O indicador é
considerado uma métrica global da inovação pois pretende medir as melhorias de
produto que não são devidas a um fator de produção específico, trabalho ou
capital, mas antes pela maneira como a generalidade dos fatores de produção é
combinada. Ora, desde os contributos seminais de Schumpeter, a inovação é
sobretudo a introdução de melhorias no modo como se combinam os fatores de produção.
Como se sabe, a descoberta de novos fatores de produção é residual no tempo
histórico. Novas matérias-primas não se descobrem todos os dias ex-novo. Muitos dos novos materiais que
se descobrem resultam de novas combinações de recursos existentes. É isso o conhecimento.
A produtividade total dos fatores é também algo de controverso
pois resulta na prática de aprofundar o conhecimento sobre um resíduo, uma espécie
de caixa negra sobre a qual vamos aprofundando o nosso conhecimento, identificando
nesse resíduo fatores explicativos. Vou passar por cima desta questão, é
demasiado técnica e não me parece que um economista rigoroso como Robert J. Gordon
seja homem para nos aldrabar com manipulações de dados.
Ora, Gordon identifica no crescimento da produtividade
total dos fatores resultados muito contrastantes nos diferentes períodos de
inovação em confronto. No período 1920-1970 (que inclui a Grande Depressão não
o ignoremos), a PTF da economia americana terá crescido a uma taxa anual de 1,89%,
o que contrasta fortemente com o crescimento anual de 0,57% entre 1970 e 1994. De
1994 a 2004, a PTF intensifica o seu crescimento, mas ele reflete os efeitos na
atividade económica da invenção da internet, do universo dos browsers, motores de busca e comércio
eletrónico. Mas de 2004 a 2014, a PTF voltou entretanto à modorra de
crescimento com uma taxa de crescimento exasperadamente lenta de 0,4%. Ou seja,
o progresso técnico digital parece ter exercido a sua influência mais no aumento
do nível da produtividade do que propriamente em assegurar a permanência de ritmos
elevados de crescimento dessa mesma PTF.
Com estes resultados, Gordon antecipa que a revolução digital
estará numa espécie de soft landing,
já que os efeitos mais disruptivos já terão sido produzidos, seja no plano da
organização empresarial, seja no da maravilha dos gadgets pessoais, com o
mercado pessoal de tablets e smart phones praticamente saturado.
A crónica já vai longa mas o meu conservadorismo teórico
nestas matérias não pode ser ocultado. Continuo a ver a inovação como algo de
perfeitamente indeterminado e por isso não aprecio exercícios de adivinhação nesta
matéria. É claro que Gordon apresenta para além do comportamento da PTF alguns
dados de natureza tecnológica que é necessário ponderar. Entre eles, a mais do
que recente não verificação da lei de Moore merece atenção particular. Esta lei
dizia-nos que a massa de transístores inseridos num chip de computador
duplicaria de dois em dois anos. Ora, depois de anos 90 essa periodicidade ter
espantosamente baixado, após 2006 o período de duplicação subiu para oito anos
tendo posteriormente diminuído para 4 anos. Será que temos aqui uma nova soft landing?
Não quero terminar sem uma última referência aos
problemas da métrica. Será que medimos bem o efeito sobre o nosso bem-estar material
que a revolução digital está a provocar? Tenho muitas dúvidas.
As recensões críticas ficam para outro post. A imagem que
acompanha a recensão crítica de Paul Krugman da obra no New York Times é inspiradora.
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