sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

NÓVOA SOBE A FASQUIA


Confesso que tenho andado bastante arredado dos debates presidenciais que nos entram pela casa dentro em doses de empanturrar. Um desinteresse que decorre não apenas, nem principalmente, da provável existência de um vencedor antecipável mas sim, e sobretudo, da inconsequente e pouco democrática lógica associada aos critérios definidores do conteúdo, do perímetro e da forma daqueles momentos mediáticos – gerando, aliás, situações absolutamente patéticas, quase risíveis. Contudo, e como desde cedo assumi uma escolha neste quadro – muito por via da espessura cultural e cívica que fui descobrindo em António Sampaio da Nóvoa –, cá tenho vindo a cumprir os mínimos exigíveis de participação que estes processos me impõem, não sem algum desencanto também em relação à evolução concreta da campanha desse meu candidato.

Um artigo publicado no “Expresso Diário” de ontem por um personagem com quem discordo quanto a quase tudo e cujo posicionamento dogmaticamente reacionário me irrita solenemente – refiro-me a um tal Henrique Raposo – teve o condão de me redespertar para a questão, por coincidência exatamente na véspera do debate televisivo da noite passada entre Nóvoa e Marcelo. O texto intitulava-se “Marcelo: o ecuménico” e começava assim: “Marcelo Rebelo de Sousa fala, fala e volta a falar, mas não diz nada. Esta espécie de mordomo do regime está a falar há quarenta anos, mas não sabemos o que ele pensa, não conhecemos as causas e ideias que constituem o seu sistema de valores.” Para concluir deste modo algo brutal em torno do que era designado por “elasticidade moral do cobarde”: “É a cobardia de alguém que não quer assumir as suas crenças católicas, porque sabe que a religião não rende pontos no campeonato da boa imprensa. É a cobardia de alguém que recusa ocupar um espaço à direita, gerando assim este absurdo quase cómico: há dez candidatos; nove disputam a esquerda, e o décimo é esta comédia marcelista. É a cobardia de quem não gosta ou não sabe discutir ideias. Ou é a cobardia de alguém que não acredita mesmo em nada e que precisa da palmadinha no ombro de toda a gente. É o chamado ecumenismo da cobardia.” O pretexto mais específico de HR era mau – o envergonhado tratamento por Marcelo da sua posição sobre o aborto –, mas o sentido do argumento pareceu-me essencialmente válido. E decidi-me a voltar a ouvir o que se vai dizendo.

Pois em boa hora tomei a dita decisão, uma vez que o debate entre Nóvoa e Marcelo foi vivo e incontestavelmente rico do ponto de vista político, tendo o primeiro conseguido a proeza de enervar o segundo e de o fazer “vir à luta”. Colando-o ainda, com enorme classe porque sem tiradas demagógicas ou popularuchas nem ataques pessoais, ao lamentável exercício do poder por Passos e Portas e, pior!, à imagem que Marcelo tenta afastar de si próprio como alguém inconstante e pouco fiável. Foi assim um tempo pessoalmente ganho, a ponto de quase ser capaz de jurar que este debate na SIC ficará a constituir o ponto alto de umas Presidenciais que já dificilmente deixarão de ser encaradas como de fasquia baixa...

(António Jorge Gonçalves, Toon, http://inimigo.publico.pt)

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