sábado, 16 de janeiro de 2016

UM GRANDE ARTIGO DE PACHECO PEREIRA




(Acossados por uma enxorrada de ideias de pacotilha e por uma campanha presidencial desvalorizada pelo candidato com maior notoriedade, o artigo de Pacheco Pereira deste sábado marcará a semana que aí vem)

Sou dos que pensa que as consequências do ajustamento austeritário da TROIKA sob a complacência amplificadora da coligação PSD – CDS que foi imposta à sociedade portuguesa para lhe assegurar o regresso aos mercados não podem ser compreendidas no quadro limitado dos efeitos desproporcionadamente recessivos que foram infringidos à economia portuguesa. A compreensão dos custos de todo o processo é fundamental para se contextualizar não só o resultado das eleições de outubro, quer na componente da vitória com significativa perda de eleitores da coligação Paf, quer na “derrota” do PS, mas também para se entender as razões da saída parlamentar encontrada. É neste campo que o artigo de Pacheco Pereira nos traz um contributo inestimável para compreender esse processo, num registo e conteúdo que passarão no meu modesto entender a ser incontornáveis para continuarmos a compreender os prolongamentos de tudo isto.

A argumentação de JPP é curiosa, pois tudo se passa como se a situação nos obrigasse a um retrocesso de modelos de compreensão das clivagens políticas contemporâneas em Portugal e na Europa. Distingue assim entre vitória ideológica e derrota política da direita após as eleições de outubro e defende o indesejável regresso à clivagem direita – esquerda para compreender a moldagem de pensamento que os processos de ajustamento (e o português não fugiu à regra porque teve um governo entusiasta na sua aplicação instrumental para mais largos voos. A inculcação desse pensamento, da qual o próprio PS não escapou, assumiu várias formas, mas o mais incisivo nessa função foi o da punição do viver acima das possibilidades, construído com o objetivo de deixar fora dos motivos que conduziram ao descalabro toda uma outra série de factos, personagens, desvarios e abusos. A inculcação das questões orçamentais, desprovidas de uma adequada contextualização nas debilidades mais estruturais do País, do seu nível de atraso que condiciona toda e qualquer perceção dos limites do endividamento, pretendeu generalizar o não generalizável, afunilar alternativas e soluções e os partidos socialistas e social-democratas cavaram a sua própria sepultura ou agonia ao não resistirem a essa cantilena.

Reivindicando-se da sua matriz social-democrata de raiz, JPP insurge-se com a tomada de assalto da base ideológica do PSD, traduzida na bondade com que Passos Coelho e o seu entorno mais imediato aceitaram complacentemente a sua arrumação como direita. A arma letal do “quanto custa” passou a ser discricionariamente limitada a certas alternativas que se querem combater e ocultada sob a forma de que a Europa não o permite para outras causas.

Estou com JPP quando ele refere que uma grande parte das reversões do acintosamente designado de “regoverno” por João Miguel Tavares conduzirá apenas à recuperação de pequenas conquistas social-democratas e até democrata- cristãs, numa linha de recentramento fundamental para que a sociedade portuguesa possa respirar e que possam nela ter sentido outros arranjos políticos parlamentares. Por isso, nos próximos tempos será crucial distinguir entre reversões sem impacto orçamental e reversões a ter em conta nesse impacto orçamental. Isto não significa estarmos também inculcados pela arma letal e castradora do “quanto custa”. Não é isso. É que temos de ter em conta que uma grande parte do universo para o qual a arma do “quanto custa” não é desembainhada está em derrocada e para ser saneado vai produzir um longo e tremendo impacto orçamental. E a verdadeira tragédia é que uma grande parte das reversões que poderiam ter almofada de recursos com um mais desassombrado padrão de escolhas públicas tem essa almofada comprometida pelos desvarios do outro universo. A contenção e o rigor de bisturi que tudo isto vai implicar, ao mesmo tempo que têm que ser superados os sorrisinhos cínicos do Eurogrupo ou do Conselho Europeu, é tarefa de grande envergadura para a qual gostaria de ter a certeza (que não tenho) que Governo e acordo parlamentar a tenham bem apreendido.

E, já agora, convinha acertar nas reversões que não têm impacto orçamental. A da educação parece não ter começado bem, mesmo que bem-intencionada e prosseguindo orientações compreensíveis.

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