(Acossados por uma
enxorrada de ideias de pacotilha e por uma campanha presidencial desvalorizada
pelo candidato com maior notoriedade, o artigo de Pacheco Pereira deste sábado marcará a semana que aí vem)
Sou dos que pensa que as consequências do ajustamento
austeritário da TROIKA sob a complacência amplificadora da coligação PSD – CDS que
foi imposta à sociedade portuguesa para lhe assegurar o regresso aos mercados não
podem ser compreendidas no quadro limitado dos efeitos desproporcionadamente
recessivos que foram infringidos à economia portuguesa. A compreensão dos
custos de todo o processo é fundamental para se contextualizar não só o
resultado das eleições de outubro, quer na componente da vitória com
significativa perda de eleitores da coligação Paf, quer na “derrota” do PS, mas
também para se entender as razões da saída parlamentar encontrada. É neste
campo que o artigo de Pacheco Pereira nos traz um contributo inestimável para
compreender esse processo, num registo e conteúdo que passarão no meu modesto
entender a ser incontornáveis para continuarmos a compreender os prolongamentos
de tudo isto.
A argumentação de JPP é curiosa, pois tudo se passa como
se a situação nos obrigasse a um retrocesso de modelos de compreensão das
clivagens políticas contemporâneas em Portugal e na Europa. Distingue assim
entre vitória ideológica e derrota política da direita após as eleições de
outubro e defende o indesejável regresso à clivagem direita – esquerda para
compreender a moldagem de pensamento que os processos de ajustamento (e o
português não fugiu à regra porque teve um governo entusiasta na sua aplicação
instrumental para mais largos voos. A inculcação desse pensamento, da qual o próprio
PS não escapou, assumiu várias formas, mas o mais incisivo nessa função foi o
da punição do viver acima das possibilidades, construído com o objetivo de
deixar fora dos motivos que conduziram ao descalabro toda uma outra série de factos,
personagens, desvarios e abusos. A inculcação das questões orçamentais, desprovidas
de uma adequada contextualização nas debilidades mais estruturais do País, do
seu nível de atraso que condiciona toda e qualquer perceção dos limites do
endividamento, pretendeu generalizar o não generalizável, afunilar alternativas
e soluções e os partidos socialistas e social-democratas cavaram a sua própria
sepultura ou agonia ao não resistirem a essa cantilena.
Reivindicando-se da sua matriz social-democrata de raiz,
JPP insurge-se com a tomada de assalto da base ideológica do PSD, traduzida na
bondade com que Passos Coelho e o seu entorno mais imediato aceitaram complacentemente
a sua arrumação como direita. A arma letal do “quanto custa” passou a ser
discricionariamente limitada a certas alternativas que se querem combater e
ocultada sob a forma de que a Europa não o permite para outras causas.
Estou com JPP quando ele refere que uma grande parte das
reversões do acintosamente designado de “regoverno” por João Miguel Tavares conduzirá
apenas à recuperação de pequenas conquistas social-democratas e até democrata-
cristãs, numa linha de recentramento fundamental para que a sociedade
portuguesa possa respirar e que possam nela ter sentido outros arranjos políticos
parlamentares. Por isso, nos próximos tempos será crucial distinguir entre
reversões sem impacto orçamental e reversões a ter em conta nesse impacto
orçamental. Isto não significa estarmos também inculcados pela arma letal e
castradora do “quanto custa”. Não é isso. É que temos de ter em conta que uma
grande parte do universo para o qual a arma do “quanto custa” não é
desembainhada está em derrocada e para ser saneado vai produzir um longo e
tremendo impacto orçamental. E a verdadeira tragédia é que uma grande parte das
reversões que poderiam ter almofada de recursos com um mais desassombrado padrão
de escolhas públicas tem essa almofada comprometida pelos desvarios do outro
universo. A contenção e o rigor de bisturi que tudo isto vai implicar, ao mesmo
tempo que têm que ser superados os sorrisinhos cínicos do Eurogrupo ou do
Conselho Europeu, é tarefa de grande envergadura para a qual gostaria de ter a
certeza (que não tenho) que Governo e acordo parlamentar a tenham bem apreendido.
E, já agora, convinha acertar nas reversões que não têm
impacto orçamental. A da educação parece não ter começado bem, mesmo que bem-intencionada
e prosseguindo orientações compreensíveis.
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