(O acidente grave
que envolveu, em França, o teste humano de um fármaco com origem na portuguesa
Bial chega no pior momento
ou seja numa fase de afirmação da translação para o mercado da investigação
protagonizada pela empresa portuguesa)
A investigação científica na área da saúde, designadamente
a que respeita à descoberta e lançamento de novos fármacos e a sua aprovação
pelas diferentes autoridades nacionais que regulam o aparecimento de novos
medicamentos, enfrenta hoje problemas de sobre-concentração num número reduzido
de empresas farmacêuticas a nível mundial. As razões para essa concentração,
preocupante diga-se, podem ser encontradas nos elevadíssimos custos que é
necessário suportar para tornar possível o lançamento de um novo medicamento,
com propriedades realmente distintas do existente. Do processo de investigação
científica até à consubstanciação em produto comercial a trajetória é pesadíssima,
acumulando custos infindáveis que só empresas com grande capacidade de investimento
e de mercado para assegurar o retorno futuro desse investimento conseguem reunir.
Para além disso, há todo o processo de testes clínicos em doentes concretos
que, além dos custos que acarretam, complicando uma fatura pesada que vem detrás,
suscitam todo um universo de monitorização de boas práticas éticas e de
respeito pelas regras da aplicação experimental. Não há qualquer razão a priori para admitir que o teste em França
do fármaco com origem na Bial tenha falhado alguma das regras e boas práticas que
estão internacionalmente definidas para estes processos. As perícias e inquéritos
que certamente serão desenvolvidas pelas autoridades francesas esclarecerão se
alguma coisa falhou nesses processos ou se os danos irreversíveis provocados
estão contidos na margem de risco que esta translação sempre implica. Mas não é
esse o aspeto que me interessa destacar.
O que é relevante aqui assinalar é que a experiência da
Bial é paradigmática da possibilidade de num pequeno país como Portugal emergir
uma empresa global nnna área da saúde, furando e explorando nichos num contexto
global em que a concentração dos grandes começa a ser asfixiante e a influenciar
as condições da investigação científica empresarial na área da saúde, com
consequências penalizadoras para a própria investigação pública, designadamente
em áreas com fortes externalidades sociais. A dificuldade de geração dessas
trajetórias de nicho num mercado tão oligopolizado traz caminhos críticos bem apertados
e uma necessidade permanente dessas empresas investirem percentagens crescentes
das suas vendas em I&D. Como é óbvio, o investimento de empresas como a
Bial tem em conta no seu cálculo económico riscos de insucesso, pois da
investigação à translação para o mercado vai um fosso bem grande onde é difícil
passar sem submergir no insucesso. Mas este tipo de insucessos se não forem
devidamente compreendidos pode ter consequências irreparáveis no estabelecimento
de processos de cooperação entre a empresa e estabelecimentos de saúde em que a
experimentação do fármaco é realizada. Ressalvado o respeito pelas boas práticas
da experimentação e toda a ética dos testes clínicos que, repito, é necessário
esclarecer se foram ou não respeitados, faço votos para que a trajetória da
Bial não seja chamuscada na sua caminhada para o estatuto de empresa global. Façamos
cruzes ou outro ritual qualquer.
Neste caso, a experimentação é de um fármaco com origem
na Bial mas a instituição responsável pela mesma é a Biotrial, com laboratórios
em vários pontos da Europa e dos EUA, mas foi na instituição de Rennes que o
caso aconteceu. Mas mesmo com este envolvimento indireto, qualquer repercussão
sobre a exequibilidade do próprio fármaco não deixará de impactar a própria
Bial.
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