(À boleia do Brussels
Briefing, algumas notas
sobre a mudança do espectro político europeu)
Reconheço que tenho um défice de informação sobre o que
vai acontecendo pelos corredores de Bruxelas e das principais instituições
europeias. E, face aos desafios que se colocam às democracias nacionais, sobretudo
determinados pela ainda obscura relação entre os parlamentos nacionais e o
processo de decisão comunitário, toda a informação credível sobre tal universo é
preciosa. Ontem, o Quadratura do Círculo esteve ao rubro quando se discutiu a
força dos tratados, particularmente do maléfico Tratado Orçamental, as margens
de manobra para a sua interpretação rígida ou flexível, o que isso significa
para a soberania orçamental de cada país, enfim o centro do inferno em que o
governo minoritário do PS vai navegar nos próximos tempos.
Foi neste contexto que recebi com agrado a publicação de
uma nova coluna no Financial Times, o Brussels Briefing, que nos transporta
diariamente para um tema ou conjunto de temas que animem a discussão (ou a intriga)
nos meandros das instituições europeias. Será certamente uma informação que
devemos contextualizar, mas dela não prescindirei.
O cronista Peter Spiegel dissertava a 25 de janeiro sobre
as alterações entretanto observadas entre o espectro político europeu no dealbar
da crise do euro e das dívidas soberanas e o que se desenha atualmente após os
desigualmente penosos processos de ajustamento com assistência e controlo da
Troika. As mudanças são inquestionáveis, mas talvez não aquelas que António Costa
desejaria para ganhar margem de manobra para uma trajetória mais distante do
pensamento único europeu. Spiegel sublinha que no dealbar da crise do euro o
predomínio do Partido Popular Europeu era avassalador, podendo dizer-se que as
reuniões prévias dos representantes do PPE se antecipavam aos meandros da decisão
do Conselho e Eurogrupo, tal era o seu predomínio nos governos nacionais.
Não sei se os ideólogos do PPE imaginaram ou não que
seria possível passar por cima das brasas dos processos de ajustamento sem ficar
chamuscado. Hoje, uns anos depois, com a perceção cada vez mais generalizada
que a União Europeia não conseguiu, apesar dos esforços de Draghi, robustecer
sustentadamente a recuperação e afastar os fantasmas deflacionários. Apesar da ofensiva
deliberada de ocultação dos resultados do processo de ajustamento, hoje já
limitados ao famigerado “regresso aos mercados”, está cada vez mais generalizada
a ideia da inexistência de fundamentos para o que as instituições europeias
impuseram aos países do ajustamento nas condições globalmente deflacionárias da
Europa como um todo. Mas, ao contrário do que um ingénuo de esquerda poderia
aspirar, a mudança do espectro político não se inclinou para os lados da social-democracia
e do socialismo democrático, mas antes reforçando toda a série de populismos,
dos mais orgânicos aos inorgânicos, dos mais libertários aos mais autoritários,
de esquerda e de direita, por mais inconclusiva seja essa classificação para
caracterizar os referidos populismos.
Penso que só pode haver uma interpretação para esta
obscura transformação. O eleitorado europeu percebeu ou simplesmente intuiu que
os partidos social-democratas e socialistas se deixaram colar demasiado à
mancha arrogante do PPE. E estas perceções não se ultrapassam com viragens políticas
de última hora, à boleia das evidências.
Por isso, assino por baixo a conclusão de Spiegel:
“O que parece
estar a acontecer não é um renascimento da esquerda, mas a continuação de uma
tendência que estava a formar-se desde o início da crise do euro: o declínio
dos partidos centristas tradicionais em favor de novos partidos populistas de
esquerda (PODEMOS, Cinco Estrelas) e de direita (a Frente Nacional em França e
o partido da Liberdade holandês que lidera as sondagens). Com um crescimento
económico lento e a crise dos refugiados a alimentar a angústia populista, é
uma tendência que vai continuar.”
Por isso, cada vez entendo menos o cada vez mais
rebuscado José Magalhães quando ele dizia ontem no Quadratura que o António
Costa era um político com sorte e invocava a situação política europeia para
infirmar a sua tese. Pode explicar?
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