sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

A DESTRUIÇÃO DE VALOR NA BANCA




(Começar 2016 com um tema de 2015, é sinal dos tempos, pois as réplicas da destruição de valor no sistema bancário e financeiro vão prolongar-se por muito tempo e alimentando querelas judiciais infindáveis)

O Expresso de há uma semana, sob a pena vigorosa de Pedro Santos Guerreiro, publicou uma das suas melhores peças jornalísticas, simultaneamente de informação e investigação, centrada na destruição de valor na banca portuguesa. O jornal estimava essa perda em cerca de 40 mil milhões de euros e dedicava-se a tipificar algumas das manifestações da sofisticação trafulha que a tornou possível.

Do ponto de vista dos interesses deste blogue, o tema é central. Na verdade, a perda de valor da banca portuguesa suscita o problema de saber se ela ocorre como réplica retardada (como geralmente acontece numa economia distante dos centros financeiros do mundo) dos acontecimentos de 2007-2008 ou se, pelo contrário, acontece como manifestação exemplar das fragilidades e distorções da economia portuguesa, agravadas na década de 2000 e brutalmente reveladas com os acontecimentos pós 2010. Já estive mais convencido de que o sistema bancário português ficou relativamente à margem dos efeitos provocados pelo desmoronar progressivo do sistema financeiro após 2007-2008. À medida que vão emergindo imparidades e mais imparidades, vai-se percebendo que as réplicas sempre existiram e que a saúde dos balanços bancários foi mal diagnosticada. Não se compreende por que razão estas questões passaram pelo crivo das instituições representadas na Troika, sempre tão afoitas em identificar distorções noutros domínios. A expressão de Costa sobre a Troika se ter preocupado mais com as freguesias do que com a banca ficará como uma boa caracterização para este facto. Não se compreende também porque é que o financiamento inicialmente destinado para sanear o sistema financeiro não em grande parte utilizado. O cidadão comum pressente que há aqui qualquer coisa de oculto nesta matéria e a razão disso é que as imparidades bancárias envolvem um conjunto muito alargado de interesses.

E aqui o caso entronca com as fragilidades do sistema produtivo e com a iliteracia generalizada que se observa em Portugal em matéria de produtos financeiros. Sei do que falo porque esse desconhecimento sempre me levou a fugir dos produtos financeiros como o diabo foge da cruz. Essas fragilidades articularam-se com as imparidades ocultas e agora tragicamente reveladas para todos os implicados, contribuintes, acionistas, depositantes, detentores de produtos financeiros de teor pouco claro e todo o rol de lesados, por duas vias essenciais: por um lado, a distorcida afetação de recursos na economia portuguesa, favorecendo até à exaustão os não transacionáveis e particularmente o imobiliário, frequentemente imbricado no negócio turístico que está longe de o ser, ajudou a precipitar a canalização dos recursos do crédito para o empolamento de valor, sempre em ligação estreita aos mecanismos internacionais de circulação do dinheiro; por outro lado, o crédito é a moderna forma de mascarar a desigualdade numa sociedade e a grande parte das famílias e ainda há dias a DECO emitia a sua preocupação pelo facto das famílias portuguesas começarem a revelar nos últimos meses comportamentos através do crédito que se aproximam bastante dos que estavam instalados quando os acontecimentos de 2007-2008 se precipitaram.

De facto, não é por acaso que a percentagem de crédito concedido a atividades transacionáveis ainda representa algo de irrisório em relação ao total de crédito concedido: pouco mais de 20% no total de empréstimos a sociedades não financeiras, em contexto em que o total de empréstimos desceu sustentadamente de 2009 a 2015; como não é também por acaso que a percentagem de crédito problemático entre os particulares não foi substancialmente reduzida apesar dos objetivos de desalavancagem que o ajustamento pretendeu potenciar. Não é ainda também por acaso que a tímida recuperação económica com que a defunta Paf se apresentou às eleições de 4 de outubro foi sobretudo baseada no consumo.

Da destruição de valor observada, sobretudo da provocada pelos acontecimentos mais recentes da implosão do BES e do BANIF, o que fica para o cidadão comum é sobretudo a sua perplexidade face às desconformidades existentes nos modelos de intervenção nos dois casos. A inexistência de um modelo comum gera compreensivelmente incerteza. Do atual ministro das Finanças, Mário Centeno, que teve uma entrada em cena certamente mais agitada do que desejaria (e as suas profundas olheiras são a ilustração disso), ficou a certeza de que nem mais um tostão de dinheiro público seria alocado à resolução de imparidades. Já ouvimos esta cantilena noutras ocasiões e conhecem-se os resultados. O que fica especialmente é a sensação de que para uma economia tão frágil há bancos a mais e ainda por cima com ligações a economias pouco recomendáveis (vejam-se os problemas do BPI e da sua necessidade de cisão dos negócios por essas paragens. E somos devolvidos ao que verdadeiramente interessa. Por mais sofisticação com que o sistema bancário e financeiro possa adornar as fragilidades do sistema produtivo, a criação de valor sempre regressa à parte produtiva. O mais preocupante é que a tal destruição de valor, que certamente não ficará por aqui, tem todas as condições para não ser uma destruição criadora. 2016 começa assim com um retorno aos nossos verdadeiros e profundos problemas, mais propriamente a procura de um modelo produtivo que combata as nossas fragilidades históricas.

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