(Começar 2016 com
um tema de 2015, é sinal
dos tempos, pois as réplicas da destruição de valor no sistema bancário e
financeiro vão prolongar-se por muito tempo e alimentando querelas judiciais
infindáveis)
O Expresso de há uma semana, sob a pena vigorosa de Pedro Santos Guerreiro,
publicou uma das suas melhores peças jornalísticas, simultaneamente de informação
e investigação, centrada na destruição de valor na banca portuguesa. O jornal
estimava essa perda em cerca de 40 mil milhões de euros e dedicava-se a tipificar
algumas das manifestações da sofisticação trafulha que a tornou possível.
Do ponto de vista dos interesses deste blogue, o tema é central. Na verdade,
a perda de valor da banca portuguesa suscita o problema de saber se ela ocorre
como réplica retardada (como geralmente acontece numa economia distante dos centros
financeiros do mundo) dos acontecimentos de 2007-2008 ou se, pelo contrário, acontece
como manifestação exemplar das fragilidades e distorções da economia portuguesa,
agravadas na década de 2000 e brutalmente reveladas com os acontecimentos pós 2010.
Já estive mais convencido de que o sistema bancário português ficou relativamente
à margem dos efeitos provocados pelo desmoronar progressivo do sistema financeiro
após 2007-2008. À medida que vão emergindo imparidades e mais imparidades, vai-se
percebendo que as réplicas sempre existiram e que a saúde dos balanços bancários
foi mal diagnosticada. Não se compreende por que razão estas questões passaram
pelo crivo das instituições representadas na Troika, sempre tão afoitas em
identificar distorções noutros domínios. A expressão de Costa sobre a Troika se
ter preocupado mais com as freguesias do que com a banca ficará como uma boa caracterização
para este facto. Não se compreende também porque é que o financiamento inicialmente
destinado para sanear o sistema financeiro não em grande parte utilizado. O
cidadão comum pressente que há aqui qualquer coisa de oculto nesta matéria e a
razão disso é que as imparidades bancárias envolvem um conjunto muito alargado
de interesses.
E aqui o caso entronca com as fragilidades do sistema produtivo e com a iliteracia
generalizada que se observa em Portugal em matéria de produtos financeiros. Sei
do que falo porque esse desconhecimento sempre me levou a fugir dos produtos financeiros
como o diabo foge da cruz. Essas fragilidades articularam-se com as imparidades
ocultas e agora tragicamente reveladas para todos os implicados, contribuintes,
acionistas, depositantes, detentores de produtos financeiros de teor pouco
claro e todo o rol de lesados, por duas vias essenciais: por um lado, a
distorcida afetação de recursos na economia portuguesa, favorecendo até à exaustão
os não transacionáveis e particularmente o imobiliário, frequentemente imbricado
no negócio turístico que está longe de o ser, ajudou a precipitar a canalização
dos recursos do crédito para o empolamento de valor, sempre em ligação estreita
aos mecanismos internacionais de circulação do dinheiro; por outro lado, o crédito
é a moderna forma de mascarar a desigualdade numa sociedade e a grande parte das
famílias e ainda há dias a DECO emitia a sua preocupação pelo facto das famílias
portuguesas começarem a revelar nos últimos meses comportamentos através do crédito
que se aproximam bastante dos que estavam instalados quando os acontecimentos de
2007-2008 se precipitaram.
De facto, não é por acaso que a percentagem de crédito concedido a atividades transacionáveis ainda representa algo de irrisório em relação ao total de crédito concedido: pouco mais de 20% no total de empréstimos a sociedades não financeiras, em contexto em que o total de empréstimos desceu sustentadamente de 2009 a 2015; como não é também por acaso que a percentagem de crédito problemático entre os particulares não foi substancialmente reduzida apesar dos objetivos de desalavancagem que o ajustamento pretendeu potenciar. Não é ainda também por acaso que a tímida recuperação económica com que a defunta Paf se apresentou às eleições de 4 de outubro foi sobretudo baseada no consumo.
De facto, não é por acaso que a percentagem de crédito concedido a atividades transacionáveis ainda representa algo de irrisório em relação ao total de crédito concedido: pouco mais de 20% no total de empréstimos a sociedades não financeiras, em contexto em que o total de empréstimos desceu sustentadamente de 2009 a 2015; como não é também por acaso que a percentagem de crédito problemático entre os particulares não foi substancialmente reduzida apesar dos objetivos de desalavancagem que o ajustamento pretendeu potenciar. Não é ainda também por acaso que a tímida recuperação económica com que a defunta Paf se apresentou às eleições de 4 de outubro foi sobretudo baseada no consumo.
Da destruição de valor observada, sobretudo da provocada pelos
acontecimentos mais recentes da implosão do BES e do BANIF, o que fica para o cidadão
comum é sobretudo a sua perplexidade face às desconformidades existentes nos
modelos de intervenção nos dois casos. A inexistência de um modelo comum gera
compreensivelmente incerteza. Do atual ministro das Finanças, Mário Centeno,
que teve uma entrada em cena certamente mais agitada do que desejaria (e as suas
profundas olheiras são a ilustração disso), ficou a certeza de que nem mais um
tostão de dinheiro público seria alocado à resolução de imparidades. Já ouvimos
esta cantilena noutras ocasiões e conhecem-se os resultados. O que fica especialmente
é a sensação de que para uma economia tão frágil há bancos a mais e ainda por
cima com ligações a economias pouco recomendáveis (vejam-se os problemas do BPI
e da sua necessidade de cisão dos negócios por essas paragens. E somos devolvidos
ao que verdadeiramente interessa. Por mais sofisticação com que o sistema bancário
e financeiro possa adornar as fragilidades do sistema produtivo, a criação de valor
sempre regressa à parte produtiva. O mais preocupante é que a tal destruição de
valor, que certamente não ficará por aqui, tem todas as condições para não ser
uma destruição criadora. 2016 começa assim com um retorno aos nossos
verdadeiros e profundos problemas, mais propriamente a procura de um modelo
produtivo que combata as nossas fragilidades históricas.
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