(Equilíbrio,
ideias consolidadas e duas interrogações, é o que ressalta da entrevista de Caldeira Cabral ao Público)
Estamos no marco dos 50 dias de Governo e os ministros
começam, comunicacionalmente, a sair da toca. Não será indiferente o modo como essa
saída se processar. Dominar ou não o tempo dessa saída é crucial. Exemplo: a saída
da toca do ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues não pode dizer-se que
tenha sido conseguida com domínio total da situação, foi antes obrigado a sair
por força de deliberações do Parlamento. O ministro da Economia Caldeira Cabral
gozou de outra margem de manobra, a pasta já não é o que era, e por isso a sua
entrevista no Público é mais distendida e sem grandes matérias de controvérsia.
Li com atenção e agrado a entrevista (ver link aqui) e há
algumas matérias que vale a pena realçar, distinguindo aqui entre as que me parecem
mais sólidas e as que me suscitam mais reservas.
Caldeira Cabral apresenta-se de moto próprio como um ministro
não intervencionista e acho que está na direção certa. As empresas em Portugal
não necessitam que o Governo as substitua. Necessitam apenas que ele crie um
quadro de orientações estável e compatível com os equilíbrios sociais e políticos
e que agilize o melhor possível os mecanismos de apoio às PME que os Fundos Estruturais
do Portugal 2020 têm disponíveis. Estes, convenhamos, constituem praticamente
os únicos instrumentos de política pública que o quadro apertado das regras da concorrência
europeia nos permite implementar, para já não falar da penúria de recursos
orçamentais nacionais. Por isso, sem margem de manobra para uma política
industrial mais robusta, o que é fundamental é assegurar que os apoios à inovação
e à internacionalização das empresas não caiam em saco roto e que haja efeitos de
contágio e demonstração entre empresas apoiadas e empresas não apoiadas. O novo
ministro alinha pelo mesmo registo quando defende que, para além da aposta nos
transacionáveis, o Governo não deve comprometer-se com apoios a setores específicos.
Invoca que os empresários portugueses tanto responderam proativamente com inovação
nos setores mais tradicionais (cuja classificação deixou de fazer sentido) como
em setores de maior ponta tecnológica. Fiquei entretanto sem saber se o ministério
da Economia vai deixar cair a política de clusters
e de estratégias de eficiência coletiva iniciada no período de programação
2007-2013. Não entendi bem se a sua não inclinação para o apoio a setores específicos
inclui o relançamento da política de clusters
ou se, pelo contrário, estaremos perante mais um instrumento de política pública
que cai sem apelo nem agravo. Se relacionarmos esta questão com a preocupação
de Caldeira Cabral em intensificar os níveis de transferência de conhecimento e
de tecnologia da investigação científica e tecnológica (largamente apoiada
neste quadro) para as empresas seria bom que o ministro clarificasse de vez que
avaliação faz da política de clusters
aos soluços e avanços intermitentes. As condições de grande intermitência com
que estas políticas acabam por ser implementadas não permitirão nunca avaliar
se os não resultados derivam da política ou da maneira como é implementada.
A parte mais interessante e controversa da entrevista
prende-se com a tentativa que Caldeira Cabral faz de demonstrar que o período
de ajustamento não foi particularmente benéfico para a aceleração das exportações.
Não discuto a observação do ministro de que os anos em que as exportações mais
cresceram foram precisamente anos de não ajustamento (2006, 2007, 2010 e 2011).
Para além disso, no período de ajustamento, as autoridades responsáveis pelo
mesmo não foram capazes de compreender o efeito penalizador da recessão europeia,
desconstruindo a pretensa coerência interna do programa de ajustamento ao colocar
a evolução das exportações apenas dependente da chamada desvalorização interna.
O ministro terá razão quando afirma que o encolhimento da procura interna não é
condição suficiente para a aceleração das exportações. Quando muito, existem
evidências de que as dificuldades do mercado interno levaram algumas empresas a
encontrar sobretudo em Angola mercados de substituição para aproveitar
capacidade produtiva instalada e não aproveitada. Iremos viver nos próximos
tempos a ressaca dos problemas gigantescos com que a economia angola irá
defrontar-se nos próximos anos. Em Lisboa há quem fale de 100.000 indivíduos
regressados de Angola nos últimos tempos e os angolanos com dupla nacionalidade
(portuguesa e angolana) tenderão a utilizar o nosso sistema de proteção social.
Tempos difíceis anunciam-se por essas bandas. A vertiginosa queda bolsista da
Mota Engil é disso um indicador eloquente.
Por isso, mesmo que a procura interna esteja ela própria
fortemente internacionalizada (a chamada internacionalização do mercado
interno), não é seguro que o perfil produtivo de aproveitamento desse mercado e
de exportação seja similar e facilmente comutável.
Caldeira Cabral parece sustentar que, quanto mais o
mercado nacional crescer, mais músculo as empresas terão para se internacionalizar
(palavras aliás assumidas pelos jornalistas na apresentação da entrevista). O
ministro, não sei se conscientemente ou não, invoca aqui uma das mais relevantes
teorias do comércio internacional devidas a um economista sueco Staffan Linder
que defendia que a conquista do mercado interno (internacionalizado) é o melhor
instrumento de capacitação para o mercado externo. Porter invoca-o no The Competitive Advantage of Nations, destacando
o papel da procura interna para as empresas aprenderem antes de se dedicarem à
exploração dos mercados externos, embora as mudanças de contexto observadas na
economia mundial desde a obra de Linder (1961) tenham apagado aquele
contributo. Esta questão é controversa, sobretudo quando a conquista do mercado
interno se faz em torno de atividades não tão exigentes em termos de procura e
de consumidores como o terá que ser feito em relação ao mercado externo. Se a
conquista do mercado interno é concretizada no âmbito de uma procura interna
progressivamente diversificada e exigente do ponto de vista da competitividade
e se esse mercado interno está fortemente internacionalizado então o domínio do
mercado interno pode ser considerado elemento de capacitação para os voos da
exportação. Este princípio, porém, pode cair seja porque o mercado interno é
incipiente, seja porque não é fortemente internacionalizado.
De acordo com o discurso de Caldeira Cabral, o reforço da
procura interna resultante das medidas do programa económico do PS,
transformado pelo pacto parlamentar, não será incompatível com o reforço das exportações,
não criando assim uma situação de défice externo. Oxalá os resultados da previsão
do ministro correspondam à sua confiança. O pior que nos poderia acontecer era
uma situação de défices gémeos agravados, público e externo.
A outra interrogação que a entrevista deixa é a do propósito
corretíssimo de promover condições de capitalização de empresas com baixíssimo
grau de autonomia financeira e largamente dependentes do financiamento bancário.
Com a trapalhada anunciada da Instituição Financeira para o Desenvolvimento
(vulgo Banco de Fomento) ainda não entendi como é que este propósito justo vai
ser concretizado. E ele poderia ser uma pedrada no charco, já que o problema se
arrasta há décadas e os dados da central de balanços do Banco de Portugal
continuam a não dar sinais de que a baixa autonomia financeira das PME se tenha
alterado.
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