(Dei comigo a interrogar-me
por que razão não me causa surpresa de maior o imbróglio orçamental em que o governo
minoritário do PS se meteu)
O título não é nem inocente nem de circunstância
acidental. O orçamento geral do Estado, que tanta energia positiva e negativa suscita
e que está sempre no coração do combate político em Portugal, transformou-se há
muito num labirinto de acesso difícil ao mais vulgar dos mortais. Entendo por
isso que a preparação de programas de governo para combate eleitoral se
pretender ir fundo na explicitação de algumas opções futuras de governação enfrenta
um forte constrangimento derivado do referido labirinto orçamental. No caso do
programa económico do PS, a presença de Paulo Trigo Pereira, hoje deputado, na retaguarda
do processo tranquilizou-me dado o seu conhecimento na matéria. Mas quando o
programa económico do PS teve de servir de muleta ao acordo parlamentar histórico
para suportar o governo minoritário do PS, essa tranquilidade reduziu-se, pois
nem PCP nem Bloco de Esquerda costumam esgrimir argumentos e prioridades com
grande conhecimento dos meandros orçamentais.
Neste contexto, quando os esqueletos PAF começaram a sair
do armário e quando se começou a perceber que não se trata de meras
preciosidades patrimoniais, mas coisas com impacto orçamental expressivo,
antecipei o pior. Ou seja, sem ganhos significativos em matéria de reorganização
do Estado que possam ser libertadores de despesa pública para outras alocações,
antecipei que meter o acordo nos limites orçamentais decentes para transmitir
exteriormente uma mensagem de consolidação seria algo similar a meter o Rossio
na Betesga. Mas tenho de confessar que não antecipei o tipo de estratégia que
Costa e Centeno iriam assumir na apresentação do rascunho de Orçamento a
Bruxelas. Imaginei que teria sido sensato confrontar os parceiros de acordo
para o que significavam os esqueletos saídos dos armários da governação
anterior e o verdadeiro significado de todas as reversões acordadas. Afinal,
como diz e bem Pacheco Pereira, é necessário que os parceiros BE e PCP e principalmente
o próprio PS internalizem bem o que significa o acordo do ponto de vista político
e para a necessidade de lhe garantir algum élan de motivação para a ação política.
Não me passou pela cabeça que o Governo se enredasse com Bruxelas no imbróglio
do que é temporário e é estrutural e que optasse por recorrer a arriscadas previsões
de crescimento económico. Ou seja, é
para mim algo incompreensível que o Governo tenha dado o flanco da competência
técnica na elaboração do orçamento. Estaria à espera de um confronto político,
que se poderia perder face à relação de forças em Bruxelas, e não de insuficiências
do foro técnico, ao alcance de uma UTAO.
Entendamo-nos. Por repetidas vezes, neste espaço, avancei
com a ideia de que os estímulos ao consumo interno do programa do PS tinham de
ser vistos como instrumentos de transição e não estruturais para ganhar uma
nova trajetória de crescimento. O seu impacto económico não pode ser
exclusivamente medido como habitualmente os economistas macro o fazem. Tudo o
resto constante, o estímulo ao consumo determinará o seguinte efeito no crescimento
do produto. As coisas na prática não acontecem assim. O contexto macroglobal em
que o estímulo vai ser aplicado interessa. Assim, Centeno tem em parte razão
quando invoca que a Comissão Europeia não está a ponderar bem o efeito sobre o
crescimento que os referidos instrumentos de transição vão determinar. Mas não
tem razão quando não pondera os constrangimentos às exportações que vão
decorrer quer das ameaças deflacionárias na União Europeia que o BCE teve de reconhecer
que continuam a existir. E também parece pouco avisado não ponderar os constrangimentos
que decorrem não apenas da situação em Angola mas também em todo o universo dos
emergentes. É verdade que a Espanha está com um crescimento mais pujante do que
a média europeia (o que muito beneficia a resistência eleitoral do PP) e os EUA
são praticamente um oásis nos mercados de exportação portugueses (a economia do
vinho, por exemplo, que o diga), mas mesmo este país está receoso da incerteza
mundial.
Por isso, esta ginástica orçamental que desgastará Centeno
e o Governo sem ser precedido de um reajuste político do acordo parlamentar, confrontando-o
com esta nova visão dos constrangimentos orçamentais, não me parece boa prática
e não augura coisas positivas a curto prazo. Da relação de forças a nível do
Eurogrupo e do Conselho estamos conversados. O meu post anterior foi explícito
na perceção de que Costa gostaria de ter um outro quadro de forças, que não
existe, para vergonha e declínio da social-democracia europeia. A margem de
manobra apertada do governo parece indissociavelmente ligada à economia e ao
seu desempenho. O acordo político à esquerda estará plenamente ciente desta
questão?
Nota final: creio que em matéria de repercussão internacional,
a imagem do país emerge bem mais deteriorada por via da troca de argumentos
entre governo e Banco de Portugal a propósito do Banif (nas quais me parece que
Carlos Costa está mais defendido do que no caso do Novo Banco) do que por força
do imbróglio orçamental. A falta de escrutínio democrático das decisões-imposições
da Comissão Europeia começa a gerar-me muita incomodidade. O desencanto com o projeto
europeu parece irreversível.
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