sábado, 30 de janeiro de 2016

O LABIRINTO ORÇAMENTAL




(Dei comigo a interrogar-me por que razão não me causa surpresa de maior o imbróglio orçamental em que o governo minoritário do PS se meteu)

O título não é nem inocente nem de circunstância acidental. O orçamento geral do Estado, que tanta energia positiva e negativa suscita e que está sempre no coração do combate político em Portugal, transformou-se há muito num labirinto de acesso difícil ao mais vulgar dos mortais. Entendo por isso que a preparação de programas de governo para combate eleitoral se pretender ir fundo na explicitação de algumas opções futuras de governação enfrenta um forte constrangimento derivado do referido labirinto orçamental. No caso do programa económico do PS, a presença de Paulo Trigo Pereira, hoje deputado, na retaguarda do processo tranquilizou-me dado o seu conhecimento na matéria. Mas quando o programa económico do PS teve de servir de muleta ao acordo parlamentar histórico para suportar o governo minoritário do PS, essa tranquilidade reduziu-se, pois nem PCP nem Bloco de Esquerda costumam esgrimir argumentos e prioridades com grande conhecimento dos meandros orçamentais.

Neste contexto, quando os esqueletos PAF começaram a sair do armário e quando se começou a perceber que não se trata de meras preciosidades patrimoniais, mas coisas com impacto orçamental expressivo, antecipei o pior. Ou seja, sem ganhos significativos em matéria de reorganização do Estado que possam ser libertadores de despesa pública para outras alocações, antecipei que meter o acordo nos limites orçamentais decentes para transmitir exteriormente uma mensagem de consolidação seria algo similar a meter o Rossio na Betesga. Mas tenho de confessar que não antecipei o tipo de estratégia que Costa e Centeno iriam assumir na apresentação do rascunho de Orçamento a Bruxelas. Imaginei que teria sido sensato confrontar os parceiros de acordo para o que significavam os esqueletos saídos dos armários da governação anterior e o verdadeiro significado de todas as reversões acordadas. Afinal, como diz e bem Pacheco Pereira, é necessário que os parceiros BE e PCP e principalmente o próprio PS internalizem bem o que significa o acordo do ponto de vista político e para a necessidade de lhe garantir algum élan de motivação para a ação política. Não me passou pela cabeça que o Governo se enredasse com Bruxelas no imbróglio do que é temporário e é estrutural e que optasse por recorrer a arriscadas previsões de crescimento económico.  Ou seja, é para mim algo incompreensível que o Governo tenha dado o flanco da competência técnica na elaboração do orçamento. Estaria à espera de um confronto político, que se poderia perder face à relação de forças em Bruxelas, e não de insuficiências do foro técnico, ao alcance de uma UTAO.

Entendamo-nos. Por repetidas vezes, neste espaço, avancei com a ideia de que os estímulos ao consumo interno do programa do PS tinham de ser vistos como instrumentos de transição e não estruturais para ganhar uma nova trajetória de crescimento. O seu impacto económico não pode ser exclusivamente medido como habitualmente os economistas macro o fazem. Tudo o resto constante, o estímulo ao consumo determinará o seguinte efeito no crescimento do produto. As coisas na prática não acontecem assim. O contexto macroglobal em que o estímulo vai ser aplicado interessa. Assim, Centeno tem em parte razão quando invoca que a Comissão Europeia não está a ponderar bem o efeito sobre o crescimento que os referidos instrumentos de transição vão determinar. Mas não tem razão quando não pondera os constrangimentos às exportações que vão decorrer quer das ameaças deflacionárias na União Europeia que o BCE teve de reconhecer que continuam a existir. E também parece pouco avisado não ponderar os constrangimentos que decorrem não apenas da situação em Angola mas também em todo o universo dos emergentes. É verdade que a Espanha está com um crescimento mais pujante do que a média europeia (o que muito beneficia a resistência eleitoral do PP) e os EUA são praticamente um oásis nos mercados de exportação portugueses (a economia do vinho, por exemplo, que o diga), mas mesmo este país está receoso da incerteza mundial.

Por isso, esta ginástica orçamental que desgastará Centeno e o Governo sem ser precedido de um reajuste político do acordo parlamentar, confrontando-o com esta nova visão dos constrangimentos orçamentais, não me parece boa prática e não augura coisas positivas a curto prazo. Da relação de forças a nível do Eurogrupo e do Conselho estamos conversados. O meu post anterior foi explícito na perceção de que Costa gostaria de ter um outro quadro de forças, que não existe, para vergonha e declínio da social-democracia europeia. A margem de manobra apertada do governo parece indissociavelmente ligada à economia e ao seu desempenho. O acordo político à esquerda estará plenamente ciente desta questão?

Nota final: creio que em matéria de repercussão internacional, a imagem do país emerge bem mais deteriorada por via da troca de argumentos entre governo e Banco de Portugal a propósito do Banif (nas quais me parece que Carlos Costa está mais defendido do que no caso do Novo Banco) do que por força do imbróglio orçamental. A falta de escrutínio democrático das decisões-imposições da Comissão Europeia começa a gerar-me muita incomodidade. O desencanto com o projeto europeu parece irreversível.

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