(A
crónica-proposta de Gideon Rachman no Financial Times sobre a resolução da
crise de refugiados começa
por me causar espanto, que se transformou em náuseas e não foi por um cada vez mais balanceante Alfa Pendular)
Um destes dias, dei comigo, perante umas imagens duras de
refugiados sírios a atravessar campos de neve, sabe-se lá em que condições de
agasalho, a refletir sobre a capacidade estranha e algo sórdida dos europeus de
atirar para debaixo do tapete do esquecimento e da indiferença tamanho
problema. Este fim de semana a crónica lancinante de Clara Ferreira Alves sobre
um filme de dois polacos sobre a trágica cidade de Alepo (que tentarei ver não
sei por que canal) ainda mais acentuou essa perceção.
Pois hoje, quando regressava de Lisboa de um encontro na
Fundação Calouste Gulbenkian para discutir um estudo coordenado pelo Professor
Júlio Pedrosa sobre a reorganização da rede de estabelecimentos de ensino
superior, dei comigo a mergulhar intermitentemente (a chamada internet aos
soluços) num artigo de Gideon Rachman no Financial Times focado no problema da
crise dos refugiados. Sabemos que as mais sérias ameaças pairam sobre as
instituições europeias nesta matéria. Schenghen está por um fio. Merkel desceu
abruptamente no pedestal alemão da popularidade de mão de ferro. Títeres e
tiques autoritários pululam por toda a parte. A Europa é uma ficção.
A lógica de abordagem ao problema do articulista é
simultaneamente criativa e sinistra. Nada mais nada menos do que dois em um, ou
seja, a pretensão de resolver ao mesmo tempo dois problemas ambos afetando a
relação Alemanha – Grécia: a dívida grega e a entrada massiva de refugiados
através da Grécia para a qual a economia e a sociedade grega não têm capacidade
de resposta, compreensivelmente, diga-se. Pois o que Rachman anuncia andar pela
cabeça de muita gente é a possibilidade de ser perdoada uma percentagem enorme
da dívida grega a troco de suster a origem do problema e um dos principais
afluxos de refugiados ao país da aflita Merkel. A elevação do argumento é tão
só esta: fazendo perceber aos eleitores alemães que a Grécia estaria a
prestar-lhes um imenso favor, seria mais fácil a Merkel justificar internamente
o perdão da dívida aos gregos. Em contrapartida, a União Europeia fecharia a
circulação pela Macedónia e entrada na Grécia e administraria campos de
refugiados pelas ilhas gregas disciplinando o que pode transformar-se num caos
grego de absorver numa população de 11 milhões de pessoas tamanho volume de
pessoas, explorando a possibilidade de um retorno (para quando?) à Síria, ao
Iraque e a outros países emitentes de refugiados. No mesmo registo, alguém
vociferaria: e o turismo grego?
O próprio Rachman parece estar ciente da enormidade: “Estou certo que uma análise séria do acordo
dívida-refugiados entre a Grécia e a Alemanha ultrapassaria toda a série de
problemas práticos, morais e legais. Mas gostaria de ouvir uma ideia melhor.”
Acabei a viagem em Gaia num misto de perplexidade e
náusea. Terá sido o balanço do Alfa e o meu síndrome de Ménière? Não creio.
Será que chegamos a este tipo de trade-off’s?
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