(Haveria muitas
formas de começar o ano neste blogue, mas reconhecer a coragem e as lições do ativismo feminino em
sociedades como a iraniana é um excelente começo)
Optei pelo lado emocional para começar o ano de 2016. Não sei o que isso
significa. Tão só provavelmente uma coincidência de registos face a notícias
marcantes.
Poderia começar, por exemplo, com o concerto de Ano Novo com a Filarmónica de
Viena a ser dirigida, e pelos registos de modo espetacular (registo do El Mundo, aqui), pelo maestro letão
Mariss Jansons. Não sei bem explicar a minha fixação por este evento. As minhas
inclinações seriam naturalmente mais concretizadas com um acontecimento de raiz
mais popular, colocando a música ao serviço de públicos mais vastos, do que propriamente
aquele, provavelmente snob, elitista, mas que sei eu da sociedade austríaca? Mas
aquele evento e a grandiosidade imperial daquela sala atraem-me para além e
contra todas as convicções ideológicas. O concerto de Ano Novo em Viena e um
espetáculo que fosse no Festival de Salzburgo seriam duas coisas que gostaria
de fazer antes de desaparecer deste mundo. Ficam os discos e os vídeos.
Outra hipótese seria colocar aqui em realce o recente e memorável “You make me feel …” de Aretha Franklin
no Kennedy Center Honours de 2015, com um Obama comovido e a família Obama a
explodir de regozijo. No vídeo, que se recomenda, é espantoso sentir o
confronto entre a força avassaladora de Aretha e a presença algo histérica de
uma loura que não consegui identificar.
Mas a minha fixação para hoje resulta de uma passagem de leitor acidental e
despreocupado pela edição digital da New Yorker de 4 de janeiro de 2016, que
continuo a assinar religiosamente, pois há luxos snobs e elitistas que são
aditivos e a New Yorker é-o já há muito tempo. O rosto poderoso que abre este
post e que abre também uma peça de investigação jornalística de grande nível de
Laura Secor é de uma mulher iraniana, proveniente de uma família relativamente abastada
do Norte do Irão, nas montanhas Elburz, Asieh Amini. A peça é toda uma homenagem
à coragem e determinação de uma ativista que lutou e luta a partir do exterior contra
práticas penais no Irão, de teor moralista sobre a vida sexual de jovens, que
implicam execuções e apedrejamentos. Poeta e jornalista, Asieh Amini entrou nos
domínios perigosos do ativismo a partir da sua experiência de estudo do
jornalismo na universidade Allameh Tabataba’i em Teerão. A partir da sua
licenciatura, foi tomando consciência progressiva dos fenómenos sobre os quais
passou a ser uma determinada ativista, escrevendo em vários jornais, desde
inicialmente os jornais controlados pelo poder religioso até a publicações de
teor mais alternativo e sempre sujeitos a uma rigorosa vigilância por parte do
poder religioso. O artigo descreve a evolução da ativista e do seu marido, fotógrafo,
Montazeri, ao longo das diferentes fases do regime iraniano, desde a erupção da
revolução islâmica até ao presente, passando pelos sucessivos momentos de
abertura e de retrocesso, até à sua fixação como escritora em risco na sempre
aberta Noruega, em Trondheim.
A transição de sociedades como a iraniana não sabemos ainda para que
modelos, suscetíveis de proporcionar alguma interlocução com o mundo civilizado,
ou tendendo para um corte irreversível com o ocidente, estará, o tempo irá
reconhecê-lo, indissociavelmente ligada à coragem e determinação de ativismos.
A força intrínseca do rosto de Asieh Amini e as cores espantosas da capa
que a envolve são um símbolo da determinação que a abordagem a 2016 irá exigir.
Com ativismo ou no mais modesto dos posicionamentos sociais, não importa.
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