terça-feira, 19 de janeiro de 2016

A FRATURA DA ROSA




(A vida é feita de paradoxos, o desaparecimento de Almeida Santos, um homem de pontes e consensos, acontece quando as presidenciais tendem a fraturar a rosa)

Confesso que redijo este post depois de uma ligeira incursão pelo debate presidencial a nove na RTP1, ao mesmo tempo que testemunhava a queda da arrogância leonina em Portimão. A minha perceção é a de que vivemos um paradoxo: desaparece Almeida Santos, um vulto controverso da democracia portuguesa, mas uma personalidade forte da construção do sistema democrático e da descolonização, alguém que fez pontes e consensos no PS, e as presidenciais têm nos últimos dias agudizado a guerra das rosas (para roubar uma expressão ao Observador.

Não sei, como alguns jornalistas o parecem sugerir, que António Costa ganhará com qualquer um dos resultados mais prováveis das eleições presidenciais. Não me parece que com o resultado mais provável, a vitória de Marcelo à primeira volta, a recente descoberta por parte de Marcelo das vantagens de aumentar o consumo interno, em simultâneo com o reforço das exportações, constitua uma vantagem assim tão nítida para Costa. É verdade que com a sua posição de não hostilização do governo e até de compreensão para com as suas dificuldades Costa terá ganho algum fôlego para aguentar os próximos meses, incluindo a dura discussão do orçamento de 2016 fora e dentro do país. Mas, embora compreenda a empatia e afetividade que Marcelo desperta na população, cansada da rigidez intragável de Cavaco, não poria as minhas mãos no fogo pela estabilidade das posições de Marcelo.

O que eu sei é que estando o PS necessitado de alguma estabilidade interna para ir avaliando as incidências do acordo parlamentar e decidir que governação assumir à medida que eventuais dificuldades nesse acordo venham a emergir (se não surgissem algum mistério teria que ser explicado), a abordagem às presidenciais não pode dizer-se que seja exemplar para assegurar essa estabilidade. A candidatura de Maria de Belém corresponde não, como a cândida candidata o apresenta, a um gesto de pura cidadania. Ela tem implícita a perceção que sempre grassou entre algumas hostes socialistas de que isto de independentes é só para abrilhantar alguns saraus, sábios para uns que se contactam antes das eleições e não para concorrer com a voracidade da máquina partidária. Tenho muita pena de dizer isto mas os nomes que mais pontificam na candidatura de Belém poderão ter representado muito no PS mas pouco têm para oferecer ao seu futuro.

Por isso, a fratura cavada entre o apoio ao candidato independente e o que é dirigido à personalidade de dentro é tudo o que o PS necessitaria para navegar nos tempos que correm. Não entendo por isso que raio de benefício Costa pode retirar desta situação e gostaria de saber que razões mais profundas levam históricos como Alberto Martins, Vera Jardim e Manuel Alegre a consumirem-se com a criatura Belém. Mas a vida tem corrido mal à cândida candidata. Essa perda de energia culminou hoje com a questão das subvenções vitalícias aos políticos (o princípio da confiança defendido pelo Constitucional manda e não o podemos aceitar quando nos convém e rejeitá-lo quando nos desagrada. Ficaria bem a Belém assumir que integrou o grupo de deputados que solicitou a sua constitucionalidade e não esconder-se por detrás da desculpa que não tinha lido o acórdão do Constitucional. Afinal Belém está atenta às questões constitucionais, esperemos que não apenas as que resultam em seu próprio benefício.

Quanto a Marcelo, o que dizer. Vejo-me contristado a reconhecer que a melhor peça jornalística sobre tão complexa personalidade é a de Maria João Avillez no Observador. Nem sempre o que este digital on line publica se recomenda. Mas a peça sobre Marcelo talvez faça hesitar muita gente na confiança que está atribuir à sua candidatura.

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