(Nações culturais
versus nações políticas, algum
pensamento controverso de Savater que ainda mexe”)
Fernando Savater é um filósofo espanhol, nascido em San
Sebastian, bem conhecido dos estudantes portugueses de letras e de filosofia em
particular e com alguma presença esparsa na imprensa portuguesa, não esquecendo
a notoriedade que a revista Claves (de que Savater é um dos editores) tem em
Portugal.
Não me tinha apercebido que Savater tinha sido candidado
pelo UPyD às eleições de 20 de dezembro, partido que foi varrido do mapa político
espanhol com uma derrocada eleitoral das mais violentas que se observaram em
Espanha. Dos últimos aparecimentos do controverso filósofo destaco afirmações em
novembro de 2015 de grande infortúnio e tristeza pessoal quando dizia ao
jornalista que o entrevistava a propósito da publicação da sua última obra, “Aquí
viven leones” (Debate), notas biográficas sobre um conjunto de escritores em
jeito de peregrinação/viagem sobre as suas memórias, escrito em conjunto com a
sua mulher Sara Torres, desaparecida em março desse mesmo ano. O tom era
deprimente: “A minha vida consiste em comer, dormir e chorar”.
As posições cívicas de Savater ganharam uma expressão de
grande coragem quando assumiu frontalmente uma luta pessoal impiedosa contra a ETA
e contra o nacionalismo independentista basco, que lhe valeu uma contínua
perseguição e o obrigou com outros colegas da universidade do País Basco a sair
da região. É conhecida a sua tomada de posição pública nesta matéria: “Os professores da Universidade do País Basco (UPV) que lideraram o discurso contra a ETA não foram heróis, mas apenas professores decentes que salvaram a honra universitária de um centro de estudos submetido aos ditames do separatismo”. Por mais controversas que sejam as suas
posições noutras matérias (veja-se por exemplo a sua campanha contra adoções de
crianças por casais do mesmo sexo), a coragem da Savater e a sua luta
persistente pela liberdade de não renegar a sua condição basca mas não se reivindicar
de uma perspetiva nacionalista independentista merecem o maior respeito. Sem
ele, os aspetos mais sórdidos do independentismo basco provavelmente não teriam
merecido a atenção que a coragem das suas posições ajudou a consciencializar.
Pois Savater não tem desistido do tema, apesar da
derrocada absoluta da sua experiência política junto da UpyD inicialmente de
Rosa Diez e depois de Herzog. Não espanta que, nos tempos que correm, o PODEMOS
seja o seu grande alvo. Savater continua um feroz adversário da transformação da Espanha das nações culturais, que ele admite existirem numa Espanha plurinacional
assente nessa diversidade cultural, em matéria-fundamento do separatismo político:
“Os nacionalistas locais querem converter a diversidade
cultural num fundamento de separação política. Ou seja, convertem as culturas –
optativas, mutáveis, mestiças – em estereótipos estatizáveis de nova natureza,
definindo cidadanias distintas da do Estado de direito comum. Aqui começa o inadmissível”. Não é possível ficar indiferente a este
pensamento. Sou particularmente sensível ao argumento da mutação das matrizes
identitárias e culturais e a fratura em duas da sociedade catalã é um excelente
indicador de tal problema. A procura de uma solução política para a integração
política dos nacionalismos sem conduzir à fragmentação da Espanha não pode ignorar
esta visão do problema. O problema é que a experiência vivida por Savater de
sentir na pele a perseguição da ETA alimentou nele posições irreparáveis em matéria
de diálogo político possível com os meios nacionalistas. A prova dessa irreversibilidade
é a sua invocação de Montaigne: “Não posso usar
de boa-fé com um tonto, porque face ao seu influxo não é apenas o meu juízo que
se corrompe, mas também a minha consciência”.
Estas palavras colocam bem evidência como a questão espanhola
pode arrastar-se por muitos anos sem quaisquer hipóteses de diálogo construtivo
que conduza a uma solução constitucional garante da liberdade e de uma maior
expressão das nações culturais.
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