(Talvez o processo
do BREXIT e suas eventuais réplicas possam contribuir para alguma clarificação dos rumos da União Europeia,
“stuck in the middle”)
O rol de previsões e antecipações sobre mais um ano que
emerge trouxe-nos algumas reflexões sobre a situação de efetivo impasse em que
a construção europeia se encontra. Se já do ponto de vista político, o “stuck in the middle” era a melhor descrição
do lio em que o projeto está metido, os erros de política macroeconómica que o
diretório europeu impôs à União Europeia e aos países sob resgate complicaram
ainda mais a situação. É de facto alarmante como nas barbas das instituições
europeias, o conservadorismo reacionário reinante na Hungria e na Polónia está
a minar os alicerces da democracia. O sempre incisivo e sem papas na língua
Nouriel Roubini não encontrou melhor síntese do que esta que vos passo a transmitir:
“A Europa precisa de mais cooperação, integração, partilha
de risco e solidariedade. Em vez disso, os Europeus parecem ter-se rendido ao nacionalismo,
à balcanização, à divergência e desintegração”. Ora toma.
A interação deste trágico estado das coisas com a mais
que provável vitória em referendo do afastamento do Reino Unido da União
Europeia tem efeitos dinâmicos imprevisíveis. Para além das forças do BREXIT corresponderem
a traços que se manifestam na sociedade britânica desde tempos imemoriais, é óbvio
que quanto mais a situação interna europeia mais difícil se torna convencer parte
do eleitorado britânico que vale a pena permanecer. A obtusa estratégia de Cameron
(talvez intrinsecamente mais apostado no BREXIT do que na sua rejeição) de
praticamente chantagear as instituições europeias para negociar o seu
envolvimento na defesa da permanência não lembraria ao diabo menos letrado. Mesmo
admitindo que as instâncias europeias se deixariam embalar por tão esdrúxula
estratégia, o que ficaria em termos de equilíbrios institucionais na União seria
um farrapo sem qualquer consistência.
No amplo espaço de discussão que o Social Europe
constitui, há dias foi dado o devido eco a uma crónica de Jean Pisany-Ferry no Project Syndicate, na qual aquele intelectual
europeísta chamava a atenção para a incapacidade de na União Europeia se conseguir
uma combinação de rigidez e plasticidade (no diálogo e interação entre princípios
constitucionais e de política) que, à escala nacional, tem permitido aos regimes
democráticos nacionais adaptar-se às mudanças no sistema de preferências dos
seus cidadãos. Ferry invoca nesse sentido a não sincronização da mudança política
entre os países (por exemplo, a oposição entre a radicalização de esquerda e de
direita, confrontando por exemplo Portugal e Espanha, por um lado e Hungria e
Polónia, por outro). Invoca também a não visibilidade do potencial do Parlamento
Europeu, asfixiado pelo facto das grandes decisões continuarem a produzir-se
entre os governos nacionais (e não todos, esclareça-se). Refere também a peculiaridade
dos limites existentes entre as matérias constitucional e legislativa na União
Europeia, em que o estatuto de constitucionalidade se estendeu a todos os
tratados, com revisão obrigando a unanimidade. A rigidez que daqui resulta constitui
de facto uma forte penalização para a capacidade adaptativa da construção
europeia. Não é fácil reorganizar os limites entre a dimensão constitucional e
legislativa de modo a permitir uma maior liberdade das instituições europeias
na formulação de políticas que, respeitando um dado quadro constitucional,
proporcionasse uma maior capacidade de adaptação.
A pescadinha de rabo na boca entre a propensão para o
Brexit e este estado de coisas na União Europeia é potencialmente explosiva. Harold James, um dos meus historiadores preferidos da globalização, chama entretanto a
atenção para o risco de implosão da também frágil matriz identitária do Reino
Unido que o BREXIT pode implicar intramuros. Com as devidas proporções de comparação,
o Reino Unido enfrenta problemas similares aos da União Europeia. E a verdade é
que entre a fortíssima propensão para o cosmopolitismo e integração da grande
aglomeração de Londres e o restante Reino Unido há diferenças gigantescas.
James é subtil quando ridiculariza a sigla que os
defensores da permanência na União Europeia adotaram: BSE – Britain Stronger in Europe. Já estamos a
adivinhar o que os eurocéticos vão gozar com a expressão. Afinal, BSE também
designa a doença degenerativa associada às chamadas vacas loucas. E, pelo estado
que revela, a União Europeia caminha também para o seu processo degenerativo.
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