(Tiago Brandão Rodrigues,
ministro da Educação, deu prova de vida, revertendo orientações do governo anterior e, finalmente, parece que o
debate começou)
A escolha de Tiago Brandão Rodrigues para ministro da
Educação é daquelas apostas políticas que tanto podem significar inovação e
contra-a-corrente como, no caso de falhar nos seus objetivos, corre o risco de emergir
como um grande erro de casting. Não sou dos que partilham a ideia de que a
escolha equivale a colocar uma tenra ave num covil de raposas como o Ministério
da Educação e sindicatos. A experiência internacional do jovem ministro pelos
domínios da ciência, mesmo que não nas matérias da educação mas da investigação
científica, pode assegurar pensamento novo para o Ministério, suficientemente desacreditado
nos últimos tempos. E ventos de mudança na administração pública é coisa que
precisamos com urgência, embora ela continue descapitalizada de saberes que
simplesmente abandonaram a sua função.
Compreendo que do ponto de vista das famílias, alunos e
professores a estabilidade dos modelos educativos é considerada uma necessidade
e uma vantagem. É de facto trágico que um jovem ao longo do seu processo de
aprendizagem veja o modelo em que se integra alterado de cima a baixo e que tenha
mesmo que enfrentar alterações pedagógicas de monta no seu trajeto.
Mas convém não ignorar que a educação é uma das áreas de
política pública em que o choque de paradigmas é mais violento, não vale a pena
ignorar o facto. Ao longo das épocas tem sido assim, o debate entre metodólogos,
pensadores, teóricos da educação tem sido aceso, as evidências sucedem-se. Por isso,
esperar que essa controvérsia permanente não impregne a luta política é pura
utopia. Certamente que com tempo de maturação e discussão política mais pausados,
seria possível manter de fora da alternância democrática algumas matérias,
reservando outras para a validação política em eleições. Nas condições que
determinaram a trajetória para as eleições de outubro de 2015 seria tonto
esperar que esse debate fosse possível. Pode dizer-se que o Conselho Nacional
de Educação deveria ser um dos espaços em que essa questão fosse discutida, mas
não é líquido que a sua composição o permita, pois mesmo entre os académicos a
unanimidade em torno dos modelos educativos é coisa que não existe.
A publicação pelo ministério de Tiago Brandão Rodrigues
de um novo modelo de avaliação do ensino básico, feita em tempo reduzidíssimo,
mas vamos admitir que havia trabalho de casa feito, encaixa na necessidade do
governo dar resposta à decisão do Parlamento e não deixa também de refletir a
pressão que caía sobre o ministro de se fazer ouvir e mostrar que estava presente.
Claro que uma medida desta natureza teria de colocar os
cabelos em pé sobretudo daqueles que têm uma ideia algo romântica dos consensos
em política educativa, mas que nada fizeram para que uma discussão profunda de
opções estáveis fosse possível. O Lucky Luke da educação, o que critica mais rápido
do que a própria sombra, Professor Santana Castilho, e que continua a sua
cruzada para mostrar a qualquer governo que está ali pronto para enfrentar o
Ministério, claro que disparou para todos os lados e não poderia poupar o
franganote ministro. João Miguel Tavares resolveu assumir o seu papel de pai
exigente e planeador e insurgiu-se contra as implicações do modelo na preparação
atempada das suas férias e gozou ao limite o argumento da estabilidade educativa.
Outros, sobretudo a bancada da oposição, mal preparada sobre a matéria, só
encontraram forma de combate no tema da estabilidade e na acusação de que o atual
governo estará a desmantelar tudo o que foi decidido pelo inefável Crato, o tal
que também desmantelou o que vinha do governo de Sócrates.
Nestas coisas gosto de ler o Paulo Guinote, pois tem uma
coisa muito importante, é estudioso, está bem preparado, ensina, sabe do que
fala e conhece os contextos da aprendizagem.
A análise de hoje no Público de Guinote parece-me equilibrada
e está longe de ser uma proteção providencial do Ministro. Destaca nessa análise
quatro elementos que ele considera positivos e que constituem uma prova de bom
senso do ministro: a tónica colocada no aspeto de aferição de saberes para apoiar
correções e inflexões no processo de aprendizagem, com exame final no último
ano do básico; a extensão das aferições a outras disciplinas para além do
português e da matemática; a transferência dos momentos de aferição para a última
semana de aulas e a suspensão da prova de Cambridge. O criticismo de Guinote
vai para a prova de aferição logo no 2ºano que não se sabe se será orientada
para não aproveitamentos precoces e para o facto de não ter sido acautelado um
cronograma que evitasse as consequências penalizadoras do novo modelo integrado
acontecer já no segundo ciclo de estudos.
Voltando à controvérsia, seria bom que se tivesse em
conta que está a ganhar força o debate internacional em torno do risco que as
chamadas artes liberais (liberal arts),
as que proporcionam formações e aprendizagens de natureza mais integrada e menos
especializada, logo com menor probabilidade de obsolescência rápida, estão a experimentar
de perderem importância em modelos educativos mais orientados para a tecnologia
e para a produtividade. John Kay tem um artigo interessante sobre a matéria no
Financial Times datado de agosto de 2015 (ver link aqui). Poder-se-á imaginar que uma controvérsia como esta não
impactará a ação política? Seria bom que impactasse, pois está em causa a adaptação
das aprendizagens a um mundo demasiado volátil.
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