(Os dados
estão lançados. Começou a reunião do Federal Open Market Committee)
Começou a reunião de dois dias em Washington do FOMC do Banco da Reserva
Federal americano, talvez aquela que marcará o rumo futuro da política
monetária americana sobre a qual convergem todas as expectativas, formadas onde
quer que seja.
A questão decisiva da reunião de Washington não é paradoxalmente uma
questão mas duas, como tentarei explicar.
A questão mais conhecida é a disputa emergente simbolicamente designada de
confronto entre “falcões” e “pombas”, no âmbito da qual os primeiros defendem
uma subida da taxa de juro de referência ainda este ano e os segundos a
manutenção das taxas no contexto de zero
lower bound. A discussão não resulta de uma mera opção de subir ou manter
taxas. A discussão principal resulta pelo contrário da avaliação das condições
atuais da economia americana que está longe de ser consensual. Os falcões
continuam a pensar que a economia americana está próxima da taxa de desemprego
natural, pelo que nesse contexto a inflação estará em crescimento eminente,
sendo por isso necessário refrear o aquecimento potencial da economia. Pelo
contrário, as pombas continuam a pensar que o mercado de trabalho está longe de
ter integrado toda a força de trabalho que se afastou do mercado, com a taxa de
participação ainda abaixo dos valores que apresentava antes de eclodir a crise
financeira. E o que me parece decisivo na posição das pombas é a sua denúncia
da assimetria de efeitos de intervenção da política monetária. Ou seja, uma
subida precipitada de taxas de juro de referência pode gerar efeitos perversos
de não consolidação de recuperação macroeconómica que é difícil corrigir. Pelo
contrário, uma intervenção tardia em matéria de subidas de taxas de juro é
sempre mais fácil de corrigir. Por outras palavras, restringir a economia é
mais fácil do que a promover por descidas de taxas de juro e por isso o
contexto da decisão do FED é assimétrico.
Mas por detrás desta disputa entre falcões e pombas há uma outra questão,
essa bem mais relevante em meu entender. A questão está em saber se a meta de
inflação assumida pelo FED (2%) deve ser entendida como teto da variação
positiva dos preços ou se, pelo contrário, é uma média de taxas de inflação que
temos em consideração. Como é compreensível, as implicações de uma ou outra
interpretação são muito diferentes. Se como alguns economistas entendem, por exemplo
Christina Romer antiga economista-chefe dos conselheiros económicos do Presidente
Obama, o mandato concedido ao FED é para manter um padrão médio de inflação em
torno dos 2%, então, face aos valores registados por esta, que roçam o espectro
da deflação, haveria ampla margem para aumentos de preços superiores a 2% para
garantir a referida média. É isto que explica a posição de alguns economistas,
entre os quais Bradford DeLong e Lawrence Summers de que nos tempos que correm
a meta-referência deveria ser 4% e não 2%. É também conhecida a posição de
Olivier Blanchard segundo a qual, face ao contexto da economia americana e da
economia global e tendo em conta o referencial dos 2% para a variação de preços,
uma taxa de inflação em torno dos 0% é mais prejudicial à economia do que uma
outra em torno dos 4%. E corrigir os efeitos perversos da primeira é mais difícil
do que refrear o ímpeto da segunda.
Várias interrogações se colocam em relação ao confronto de posições que se
confrontarão nos 12 votos que o FOMC pode expressar e aos possíveis consensos
que a presidente Janet Yellen desejar assegurar. Como é óbvio, os mercados também
interpretam o sentido das votações e não é a mesma coisa a existência de uma
divisão de votos ou um consenso. Uma dessas questões prende-se com o facto do
FOMC decidir em função dos interesses exclusivos da economia americana ou se,
pelo contrário, terá em conta a situação interrogada em que se encontra a
economia mundial e particularmente a das economias emergentes nas quais a política
monetária americana exerce um impacto visível. Porque a ideia de que a subida
das taxas de juro era necessária para combater o ambiente de euforia perigosa
que se vivia nos mercados financeiros, provocada por taxas em torno do valor
zero propiciadoras de avaliações não rigorosas de riscos parece hoje afastada
pelos momentos de correção em baixa que entretanto foram registados.
É assim curioso notar, o que constitui um elemento pedagógico precioso para
alguém que ensine hoje macroeconomia, que a decisão do FED está hoje essencialmente
dependente de interpretações sobre o estado atual do mercado de trabalho. O
comportamento dos salários, com forte moderação de crescimento, anuncia muito
pouco o risco de pressões inflacionárias. Mas a proximidade da taxa de
desemprego relativamente ao valor da taxa natural de desemprego (estimada como
algo em trono dos 5%) combinada com o fraco crescimento da produtividade
concede alguma margem de manobra ao argumento dos falcões interessados na
normalização o mais rápida possível da política monetária com subida da taxa de
juro de referência.
Não arrisco apostar. Espero que não se esteja a viver mais um episódio de
erros na política monetária com arrefecimentos precoces de economias em que é
preciso muita imaginação para vislumbrar alguma fonte de aquecimento.
Bradford DeLong, Tim Duy e Lawrence Summers têm aqui, aqui e aqui artigos
interessantes para compreender a excitação que a reunião do FOMC está a
provocar.
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