quinta-feira, 17 de setembro de 2015

RIEN NE VAS PLUS – A DECISÃO DO FED




(Os dados estão lançados. Começou a reunião do Federal Open Market Committee)

Começou a reunião de dois dias em Washington do FOMC do Banco da Reserva Federal americano, talvez aquela que marcará o rumo futuro da política monetária americana sobre a qual convergem todas as expectativas, formadas onde quer que seja.

A questão decisiva da reunião de Washington não é paradoxalmente uma questão mas duas, como tentarei explicar.

A questão mais conhecida é a disputa emergente simbolicamente designada de confronto entre “falcões” e “pombas”, no âmbito da qual os primeiros defendem uma subida da taxa de juro de referência ainda este ano e os segundos a manutenção das taxas no contexto de zero lower bound. A discussão não resulta de uma mera opção de subir ou manter taxas. A discussão principal resulta pelo contrário da avaliação das condições atuais da economia americana que está longe de ser consensual. Os falcões continuam a pensar que a economia americana está próxima da taxa de desemprego natural, pelo que nesse contexto a inflação estará em crescimento eminente, sendo por isso necessário refrear o aquecimento potencial da economia. Pelo contrário, as pombas continuam a pensar que o mercado de trabalho está longe de ter integrado toda a força de trabalho que se afastou do mercado, com a taxa de participação ainda abaixo dos valores que apresentava antes de eclodir a crise financeira. E o que me parece decisivo na posição das pombas é a sua denúncia da assimetria de efeitos de intervenção da política monetária. Ou seja, uma subida precipitada de taxas de juro de referência pode gerar efeitos perversos de não consolidação de recuperação macroeconómica que é difícil corrigir. Pelo contrário, uma intervenção tardia em matéria de subidas de taxas de juro é sempre mais fácil de corrigir. Por outras palavras, restringir a economia é mais fácil do que a promover por descidas de taxas de juro e por isso o contexto da decisão do FED é assimétrico.

Mas por detrás desta disputa entre falcões e pombas há uma outra questão, essa bem mais relevante em meu entender. A questão está em saber se a meta de inflação assumida pelo FED (2%) deve ser entendida como teto da variação positiva dos preços ou se, pelo contrário, é uma média de taxas de inflação que temos em consideração. Como é compreensível, as implicações de uma ou outra interpretação são muito diferentes. Se como alguns economistas entendem, por exemplo Christina Romer antiga economista-chefe dos conselheiros económicos do Presidente Obama, o mandato concedido ao FED é para manter um padrão médio de inflação em torno dos 2%, então, face aos valores registados por esta, que roçam o espectro da deflação, haveria ampla margem para aumentos de preços superiores a 2% para garantir a referida média. É isto que explica a posição de alguns economistas, entre os quais Bradford DeLong e Lawrence Summers de que nos tempos que correm a meta-referência deveria ser 4% e não 2%. É também conhecida a posição de Olivier Blanchard segundo a qual, face ao contexto da economia americana e da economia global e tendo em conta o referencial dos 2% para a variação de preços, uma taxa de inflação em torno dos 0% é mais prejudicial à economia do que uma outra em torno dos 4%. E corrigir os efeitos perversos da primeira é mais difícil do que refrear o ímpeto da segunda.

Várias interrogações se colocam em relação ao confronto de posições que se confrontarão nos 12 votos que o FOMC pode expressar e aos possíveis consensos que a presidente Janet Yellen desejar assegurar. Como é óbvio, os mercados também interpretam o sentido das votações e não é a mesma coisa a existência de uma divisão de votos ou um consenso. Uma dessas questões prende-se com o facto do FOMC decidir em função dos interesses exclusivos da economia americana ou se, pelo contrário, terá em conta a situação interrogada em que se encontra a economia mundial e particularmente a das economias emergentes nas quais a política monetária americana exerce um impacto visível. Porque a ideia de que a subida das taxas de juro era necessária para combater o ambiente de euforia perigosa que se vivia nos mercados financeiros, provocada por taxas em torno do valor zero propiciadoras de avaliações não rigorosas de riscos parece hoje afastada pelos momentos de correção em baixa que entretanto foram registados.

É assim curioso notar, o que constitui um elemento pedagógico precioso para alguém que ensine hoje macroeconomia, que a decisão do FED está hoje essencialmente dependente de interpretações sobre o estado atual do mercado de trabalho. O comportamento dos salários, com forte moderação de crescimento, anuncia muito pouco o risco de pressões inflacionárias. Mas a proximidade da taxa de desemprego relativamente ao valor da taxa natural de desemprego (estimada como algo em trono dos 5%) combinada com o fraco crescimento da produtividade concede alguma margem de manobra ao argumento dos falcões interessados na normalização o mais rápida possível da política monetária com subida da taxa de juro de referência.

Não arrisco apostar. Espero que não se esteja a viver mais um episódio de erros na política monetária com arrefecimentos precoces de economias em que é preciso muita imaginação para vislumbrar alguma fonte de aquecimento.

Bradford DeLong, Tim Duy e Lawrence Summers têm aqui, aqui e aqui artigos interessantes para compreender a excitação que a reunião do FOMC está a provocar.

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