(Aproxima-se
a hora da verdade)
No último dia de agosto, Felipe González usa no El País o seu estatuto de
senador para se dirigir aos catalães, zurzindo simultaneamente num líder
regional cada vez mais acossado e transmitindo aos catalães a sua perceção do
risco de queda no abismo em que o independentismo está a colocar a sociedade
catalã.
Felipe constrói a sua carta em torno dos riscos de desconexão que, em seu
entender, o plebiscito eleitoral irá determinar para os catalães.
Em primeiro lugar, riscos sérios de rotura irreparável entre catalães
independentistas e catalães identitários que não se projetam na solução
independentista, não falando para já nos catalães centralistas que existem não
em termos significativos mas que vão aguentando alguma votação no PP. Felipe
dirige acusações sérias ao independentismo de asfixia democrática e impedimento
objetivo que as teses não independentistas defendam as suas posições em
igualdade de oportunidades.
Em segundo lugar, riscos de desconexão com uma Espanha das Nações, organizada
federalmente como parece ter sido sempre a posição de González em relação ao
futuro constitucional de Espanha, gerados sobretudo pela rotura com a
Constituição.
Em terceiro lugar, riscos de desconexão europeia, projetando e acelerando a
decomposição europeia.
Finalmente, riscos de desconexão íbero-americana, dada a relevância do
castelhano na aproximação à América Latina, mais propriamente à América hispânica.
O independentismo catalão traz consigo inevitavelmente riscos sérios de
isolamento numa sociedade cada vez mais conectada. Não custa valorar os
argumentos de Felipe González. Mas na carta o pronunciamento contra o
imobilismo do governo do PP parece-me muito frágil e pouco convincente e a
comparação com a Alemanha dos anos 30 reacende mais do que atenua a fogueira. O
PP é o principal responsável pela degradação do modelo político de diversidade
regional, o tal modelo da Espanha das Nações, e esse modelo é o único que pode
travar os ímpetos independentistas, valorizando as identidades históricas mais
fortes, entre as quais a Catalunha está irredutivelmente condenada a sê-lo e não
um território anódino sem raízes. Tal como aconteceu também com a Escócia, o
avanço do independentismo é sempre o resultado de uma relação mal gerida entre
governo central e governos regionais.
Mas a carta de Felipe chega tarde. A reação do núcleo independentista mais
radical, mais propriamente da Convergència Democrática, da Esquerra Republicana
e de representantes da lista Junts pel Si que agrupa nas próximas eleições de
27 de setembro os independentistas, é em si um indicador de que os pontos possíveis
de diálogo estão hoje quebrados. Mas também a nova alcaldesa de Barcelona interpretou
a carta de Felipe como um insulto aos catalães. Só um resultado muito
surpreendente saído do 27 de setembro poderia miraculosamente repor as bases de
um diálogo constitucional.
Mas no meio de toda esta algazarra, talvez o que mais tenha irritado os
independentistas catalães foi a reação de grande apreço que personalidades do
PP como Sáenz de Santamaría e do próprio Aznar manifestaram pela carta de González.
E até a mim essas reações provocaram urticária. Sei que há momentos em que
temos de estar disponíveis para unir mãos e abraços com adversários políticos
em nome de valores mais altos que é necessário defender. O problema neste caso é
que a Espanha que a Señora Santamaría e o inefável Aznar defendem não é aquela
que permite a resolução do problema, mas antes a que o torna ainda mais
complexo. Por isso, se fosse socialista espanhol, catalão ou madrileno, teria
muita dificuldade em estar do mesmo lado da barricada que o PP, por mais riscos
que o independentismo catalão tenha sobre a sua cabeça política. Teria de ser
na base de um entendimento bastante abrangente e no qual teria de estar visível
que a ação política do PP agravou o problema da secessão catalã.
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