sábado, 12 de setembro de 2015

REIS E O PROGRAMA DE AJUSTAMENTO




(Notas sobre o paper que Ricardo Reis, não o regresso de Pessoa, mas o economista da Columbia University, apresentou no Brookings Panel on Economic Activity)

Ricardo Reis é talvez o economista português que presentemente tem maior prestígio internacional, sobretudo a partir do momento em que ingressou nos quadros da Columbia University, também colaborando com a London School of Economics. O ainda jovem economista que cedo saiu de Leça da Palmeira em Matosinhos para se projetar primeiro na sua formação superior e depois na investigação e numa carreira universitária nos EUA não é um economista qualquer, sendo por isso relevante a sua visão do ajustamento aplicado na economia portuguesa.

O Brookings Panel in Economic Activity é, regra geral, um espaço de grande visibilidade de debate de ideias, reunindo economistas de grande notoriedade. Ricardo Reis apresentou, na semana passada, nesse evento, uma espécie de update de um longo artigo por si publicado na Primavera de 2013 no Brookings Papers on Economic Activity que a Brookings Institution edita regularmente e alargando o trabalho que apresentou, em Lisboa, na Conferência da Gulbenkian em 2014, onde se focou na questão da dívida pública.

Reis tem razão em considerar que, dado o fracasso generalizadamente reconhecido do ajustamento aplicado na Grécia, e considerando que os ajustamentos na Irlanda e em Espanha resultam de problemas do setor bancário, Portugal é a única matéria-prima que as instituições da Troika poderiam apresentar como salvando a face das políticas de ajustamento. Nesse sentido, são conhecidos os esforços do próprio FMI e do ministro das Finanças alemão Schäuble para eleger a experiência do ajustamento português como um caso de sucesso.

A posição de Reis não alinha pelo mesmo entusiasmo do FMI ou de Schäuble. Ele divide e bem os resultados do processo de ajustamento em dois domínios: a alteração das condições de acesso ao financiamento internacional em termos de taxas de juro, incluindo o alongamento que foi possível introduzir às maturidades da dívida pública e a criação de condições favoráveis ao crescimento económico. No primeiro caso, Reis reconhece que a probabilidade de réplica de uma crise similar à ocorrida em 2010/2011 é muito mais baixa, podendo desse ponto de vista o programa de ajustamento ser considerado positivo. Reis não desenvolve suficientemente o enquadramento favorável proporcionado pela intervenção do BCE e o acolhimento favorável que a Troika concedeu ao aumento de maturidades da dívida. Em relação aos critérios da criação de condições favoráveis ao crescimento, Reis é mais contido e não cobre completamente a cantilena de que o ajustamento colocou a economia portuguesa na rampa do crescimento económico. Aponta para isso alguns dados inequívocos: (i) a dívida pública a continuar a representar uma percentagem muito elevada em relação ao PIB; (ii) o facto da dívida do setor empresarial não ter descido como aconteceu em Espanha em que desceu 20 pontos percentuais; (iii) o crescimento dos créditos de cobrança duvidosa ameaça a robustez da banca nacional. Entre as transformações que terão ocorrido e que Reis considera do seu ponto de vista favorável estão: (i) a putativa maior flexibilidade do mercado de trabalho conseguida sobretudo na maior disseminação de contratos a termo; (ii) no aumento de produtividade de setores não transacionáveis como o comércio por grosso e retalho e o imobiliário na sequência da realocação de recursos dos não transacionáveis para os transacionáveis e que pode contrariar a apreciação da taxa de câmbio real e (iii) o aumento dos níveis de qualificação do emprego.

Dos aspetos positivos mencionados por Reis convém ter presente os conhecidos problemas de medida da produtividade nos não transacionáveis, por isso é necessário ter em conta que só em períodos mais longos é possível credibilizar os aumentos de produtividade de que fala Reis.

Reis não considera na sua apreciação os custos sociais do processo de ajustamento e com isso fica limitado na avaliação das condições do putativo êxito do ajustamento. Mas as suas observações aos efeitos do ajustamento sobre as condições de crescimento económico da economia portuguesa merecem ponderação, pois quaisquer que sejam os resultados de 4 de outubro são questões com as quais vamos ter de nos preocupar.

Sem comentários:

Enviar um comentário