(Reflexões
suscitadas por dois artigos recentes de Robert Reich que me levaram aos anos 70
e a uma obra fundadora de parte do meu pensamento sobre a relação entre as
questões sociais e a economia)
Creio que no início da década de 80 apresentei em Lisboa numa conferência
sobre economia portuguesa do CISEP, então fortemente dinamizada pela força do
pensamento da Professora Manuela Silva, com a qual me recordo de ter discutido
o tema, um texto centrado no que então designava de degenerescência da base
moral da economia portuguesa. Talvez na época ainda sem a maturidade suficiente
para trabalhar plenamente a Teoria dos Sentimentos Morais de Adam Smith,
recordo-me que devo ter sido dos primeiros a ler em contraponto a Riqueza das
Nações e essa outra obra então pouco referida em Portugal de Adam Smith. Recordo-me
que, na altura, para além desse confronto dos dois Adam Smith, fazia também
ampla referência a uma obra que me tinha marcado profundamente no fim da década
de 70, Os Limites Sociais do Crescimento, de Fred Hirsch, autor americano que
haveria de desaparecer prematuramente ainda nessa mesma década de 70. Curiosamente,
só em 2005, apanhei em Portugal um trabalho de investigação sobre a obra de Fred
Hirsch, mais propriamente o working paper
do DINÂMIA, de autoria de João Rodrigues e Luís Francisco Carvalho, o primeiro
um economista que emergiria mais tarde na FE de Coimbra e no Bloco de Esquerda.
O artigo chamava-se “The Continuing
Relevance of Fred Hirsch’s Insights on Markets and Morality”. Isto para
vos dizer que o tema não me é estranho há já muito tempo.
Pois estamos em tempos em que nunca como hoje a base moral do capitalismo
foi tão discutida e questionada. Temos evidências de que a crise financeira foi
o resultado de puros comportamentos de “greed”
(ganância). Temos também evidência de que o crescimento da desigualdade nas
economias maduras é em grande parte o resultado da degenerescência da base
moral que atravessa os mercados e sobretudo dos muito suspeitos sistemas de
fixação de remunerações. À nossa pequenina escala os casos da PT e do BES constituíram
antros de proliferação desses fenómenos de degenerescência moral que, mais
tarde ou mais tarde, se abatem sobre os próprios mercados corroendo a confiança
entre os seus principais protagonistas e intervenientes.
Ora, tendo como pano de fundo a economia americana, sempre à frente nestas
coisas da heterodoxia, Robert Reich publicou a 4 e a 7 de setembro dois
excelentes textos sobre a questão da moralidade no capitalismo. O primeiro chama-se
sugestivamente “O que é que aconteceu ao centro moral do capitalismo
americano?”. Reich utiliza sobretudo o número dos CEO das
grandes empresas ganharem presentemente salários e remunerações 300 vezes os
salários médios dos trabalhadores, intervindo no jogo em proveito próprio com a
cumplicidade de acionistas, comprados por algumas bagatelas e jogadas mais
complexas em torno das suas ações: o 1% mais rico recebe mais de 20% do
rendimento e detém pelo menos 38% da riqueza, sendo possível concluir que 400
pessoas nos EUA têm mais riqueza do que toda a riqueza dos 150 milhões mais
pobres. O ter-se chegado a esta desproporção não pode deixar de ter resultado
de uma séria degenerescência da base moral do capitalismo americano,
desapossado do seu centro moral.
E isso explica o cinismo absoluto de uma sociedade profundamente preocupada
com a moralidade privada dos seus políticos, seja do seu comportamento e
orientações sexuais, seja do escrutínio total dos seus devaneios amorosos fora
da caixa deixar degenerar a chamada moralidade pública das bases da sua
organização económica e social. É esse o tema do segundo artigo, “A crise da moralidade pública e não da moralidade privada”.
Longe vão os tempos em que consumidores, trabalhadores e a comunidade em
geral eram considerados stakeholders
dos projetos empresariais numa lógica de partilha de interesses com os proprietários
do capital e com os CEO que os representam. Essa relação está quebrada e uma
das frentes que começou a ceder foi a da fiscalidade. Também por aqui se
alimenta o populismo e o discurso da impunidade dos poderosos. A questão está
em saber como realizar a regeneração moral de tudo isto. A terminologia não me
agrada mas acaba por ser de regeneração que se deve falar e seguramente não será
de dentro que ela vai acontecer.
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