Já vai distante a época em que o grande dilema europeu era identificado como sendo o de uma difícil compatibilização entre o aprofundamento da União e o seu alargamento. Uma questão que, na prática, foi resolvida salomonicamente mas mal, i.e., optando-se, ao pior modo político, por pretender não deixar nada por fazer e, deste modo, por dar uma no cravo e outra na ferradura, fazendo sob pressão, e apressadamente, um bocadinho de cada coisa e bastante pouco de coerente e estruturado. Claro que ninguém pode iludir que a queda do muro de Berlim se tornou uma verdadeira máquina trituradora da agenda política na Europa, tornando quase inapeláveis as duplas exigências decorrentes da reunificação alemã – e a correspondente fuga para a frente à trouxa-mocha que foi o impreparado lançamento da união económica e monetária – e dos povos de uma Europa Central e Oriental sedentos de liberdade e novos horizontes de vida material – e a correspondente resposta positiva quase obrigatória ao enorme número de pedidos de adesão surgido (a União Europeia ainda só contava com 15 Estados membros em 2004, data a partir da qual já encaixou no seu seio 11 países daquela zona, aliás avassaladoramente contrastantes em termos económicos, sociais, culturais e políticos).
No que diz respeito ao Euro, já aqui abordamos o problema nos seus múltiplos desencontros e facetas, pelo que podemos seguir adiante sem mais delongas e continuar na pueril expectativa de que as calendas ou novas crises possam trazer ou forçar os remendos necessários; embora não queira deixar de enfatizar quão escusado foi, depois da complexa experiência da precoce entrada na Zona Euro da Grécia e de Portugal, estender tão aligeiradamente a passadeira às discutíveis integrações da Eslovénia (2007), da Eslováquia (2009), da Estónia (2011), da Letónia (2014) e da Lituânia (2015), o que seguramente ainda vamos pagar com língua de palmo. No que diz respeito aos alargamentos, o problema não esteve apenas no súbito e gravoso empobrecimento médio europeu por eles provocado, na mudança do eixo de gravidade europeu para leste ou nas inconcebíveis dinâmicas de concorrência fiscal trazidas para dentro do espaço europeu, antes vai principalmente residindo na indecência ostentatória dos novo-riquismos (veja-se o exemplo dos galões pacoviamente puxados pelos eslovacos) ou na irritante arrogância dos populismos que vieram acrescentar-se aos que já pré-existiam e davam água pela barba (vejam-se as palhaçadas dos eurocéticos polacos nas bancadas do Parlamento Europeu ou a desfaçatez provocatória com que se exibe o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, este deparando-se aliás com silêncios acomodados/acobardados e feitos de absoluta e burocrática impunidade).
E se Orbán é um lamentável caso perdido, entre os seus sucessivos atentados à liberdade e os vergonhosos muros com que diz pretender proteger valores civilizacionais dentro das suas fronteiras, foquemo-nos por exemplo num país com a grandeza histórica e populacional da Polónia: este parece decidido a voltar à trajetória nacionalista e reacionária dos irmãos Kaczynski, tendo acabado de eleger um presidente (Andrzej Duda) que tomou posse sem convidar o compatriota e presidente da União Europeia Donald Tusk e se afirmou disposto a tudo para impor o país na cena internacional, designadamente impulsionando uma profunda reforma constitucional bem recheada de traços de intolerância democrática e orientada para a promoção de um retorno à soberania nacional.
Com o mal feito e sem quaisquer sinais de melhoras no horizonte, é provável que só nos reste sofrer-lhe alegremente os efeitos. Mas, ainda assim, daqui não quero deixar de lavrar um desalienado protesto, nem que seja só para que conste...
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