(Reflexões adaptadas
ao caso português inspiradas pela lucidez de um post de Simon Wren-Lewis)
Simon Wren-Lewis não é um fervoroso seguidor
de Jeremy Corbyn, nem um perigoso esquerdista resguardado no regaço de uma qualquer
universidade de terceira ou quarta categoria. É um macroeconomista de Oxford,
rigoroso, mas que não se coíbe de intervir na vida política britânica,
denunciando quem “fornece gato por lebre” com o mais cândido pensamento de quem
está a servir o serviço público e a pátria. Tem sido um persistente crítico do
governo de Cameron e Osborne e bom seria que o Labour o tivesse ouvido na
preparação do último ato eleitoral que valeu a reeleição com maioria absoluta
aos Conservadores, premiando o “gato por lebre” ou seja a manipulação democrática.
Wren-Lewis analisa em pormenor as razões na altura aparentemente fundadas
para que na eminência de uma recuperação sólida da economia britânica Cameron e
Osborne em 2010 se tivessem focado na desalavancagem da dívida britânica. E não
uma redução de dívida qualquer. O propósito de uma descida rápida do défice público,
com profundas implicações em termos de redução da despesa pública e da qualidade
dos serviços públicos britânicos. Os desenvolvimentos macroeconómicos posteriores,
com a recuperação a mostrar-se bem mais agónica do que o esperado e sobretudo o
produto potencial a continuar abaixo do valor pré-crise de 2007-2008 evidenciaram
rapidamente que a relação défice-dívida-austeridade ocultava algo de mais
abrangente, mas que não era apresentado aos eleitores como tal. E o que é mais
trágico nesta matéria é que Cameron-Osborne se apresentaram em 2015 ao
eleitorado com um programa renovado de austeridade continuada e, pasme-se,
ganharam com maioria absoluta, claro que muito devido à alarmante inépcia
trabalhista.
Wren-Lewis desenterra inteligentemente algumas posições de economistas que
em 2010 apoiaram a decisão de Cameron-Osborne se focarem na redução da dívida ,
neste caso particular Lord Turnbull, que já teve responsabilidades governativas.
E é significativo que seja um ex-apoiante de Cameron-Osborne a denunciar a
situação de gato por lebre aqui escondida com rabo de fora: usa-se a redução do
défice e da dívida simplesmente para fazer passar uma ofensiva ideológica que não
se tem a coragem de a apresentar como tal – a implantação de um Estado mais
pequeno ou seja criar condições objetivas para a degradação da intervenção pública,
reduzindo-a a escombros e transformá-lo em algo de irreversível. As palavras
justas são cobardia e manipulação políticas e o pior é que o embuste é mais
vasto. O tratado orçamental é isso mesmo. É uma ofensiva oculta, manipuladora da
opinião pública, uma via indireta e eficaz para subverter o debate político,
impondo sem escrutínio democrático uma mudança de regime económico. E, para memória
futura da história que nos envergonhará, com o beneplácito e capitulação da
social-democracia e socialismo europeus.
Claro que os países do sul se puseram a jeito, encarreirando pela via da
inundação de capital vindo de fora a taxas irrecusáveis. Mas o “take-over” ideológico de que foram vítimas
sem que o eleitorado fosse informado da mudança de regime económico que lhes
estava a ser servido, frio e com dor, releva do mesmo embuste que talvez tenha
tido no Reino Unido a sua expressão mais refinada e consequente. Também por cá
e na sombra de um problema orçamental e de dívida se implanta uma mudança de
regime económico que vai acabar na destruição do serviço público em geral,
irreversível para algumas gerações, tamanho é o dano que tende a provocar.
Um embuste colossal vendido por vias travessas. E o que parece emergir como
tragédia de que muita gente irá arrepender-se no futuro próximo é que perante
uma escolha entre políticos manipuladores, que vendem com aparente candura gato
por lebre e não têm a coragem de apresentar ao eleitorado o seu verdadeiro
produto, e quem tem a coragem e o risco de apresentar claramente ao que vem,
com números e um programa sobre o qual se compromete, algum eleitorado opte
pelos primeiros. E para o eleitorado de esquerda mais à esquerda que vai continuar
a ter os seus inconsequentes orgasmos de protesto, misturados com a nostalgia
de um 25 de abril que não volta mais, levando no lombo com as perversidades dos
manipuladores, só tenho uma palavra: “make love, not shit”, de mal o menos.
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