(Mais
alguns preliminares eleitorais)
Escrevo antes do frente-a-frente televisivo
Costa versus Passos, e por isso apenas com toda a informação destilada ao longo
dos últimos dias, incluindo a sondagem que essa instituição não venerável do
Correio da Manhã encomendou e acaba de publicar. Nestas coisas das sondagens, a
minha referência, como a de muita gente, é a palavra e a escrita de Pedro
Magalhães, o qual não atribui especial importância aos cinco pontos percentuais
que parecem dar a dianteira à coligação que suporta o atual governo. Mas o que parece
inequívoco é a tendência de baixa que o PS não consegue inverter, com tudo o
que isso pode implicar em termos de formação de dinâmicas cumulativas,
sobretudo daquelas que se formam e influenciam os que gostam de estar com os
vencedores, ou seja, de partilhar uma dinâmica de vitória.
As sondagens valem o que valem e creio que ninguém arrisca apenas com estes
elementos prognosticar o que nos vai cair em sorte após o dia 4 de outubro e
que tipo de lios parlamentares nos esperam para a formação de um governo.
Mas, embora sabendo tudo isso, esta parece ser a oportunidade certa para
questionar o que terá acontecido para que as perspetivas eleitorais que
acompanharam António Costa à liderança do PS tenham começado a dar sinais senão
de esboroamento, pelo menos a exigir um refreamento de expectativas. A invocação
do nome de Porfírio Silva deve-se ao facto de, à falta de melhor informação
sobre quem ajuda efetivamente António Costa a organizar o seu pensamento político
transmitido aos portugueses, ele ser um dos pensamentos mais estruturados que o
PS dispõe neste momento. E a sua participação no Quadratura do Círculo em
substituição do próprio Costa quando Jorge Coelho teve uma indisponibilidade de
presença mostrou alguém que não enjeitou responsabilidades no tom e conteúdo
com que António Costa se apresentou aos portugueses depois de assumir a
liderança do partido.
Tem por isso relevância perguntar o que terá corrido menos bem em todo este
processo.
O primeiro argumento que emerge é o do efeito Sócrates. Não estou seguro
que haja uma condenação generalizada do ex-primeiro ministro como efeito direto
com impacto eleitoral. Mas seguramente que há um efeito indireto, sobretudo
mediado pela sistemática remissão que a maioria faz para o que deu origem à
entrada da Troika, como se o PS já não tivesse sido penalizado eleitoralmente por
isso. O PS não analisou e não assumiu friamente quando devia os aspetos a não
replicar da governação Sócrates. Seguro agilizou apenas o não me comprometas. Costa
herda assim uma situação sempre em deflagração potencial. A estratégia da
defesa de Sócrates típica de um obstinado, incapaz de uma autocrítica séria sobre
os efeitos perversos da sua governação na alocação dos recursos produtivos na
economia portuguesa, torna extremamente difícil a António Costa afirmar-se como
alternativa e convencer os portugueses em simultâneo de que nunca permitirá o
regresso ao passado incómodo. A situação é tão em fio de navalha que os próprios
aspetos positivos da governação PS no passado não foram suficientemente
vincados e permanecem assim num limbo que não produz ganhos eleitorais para o
PS. E o pior é que, mesmo considerando que Sócrates sossega um pouco e se abstém
de intervir nestas semanas até ao 4 de outubro, o que não é seguro face à sua
obstinação, o pior está consumado.
Uma segunda razão para este declínio de expectativas prende-se com a
subvalorização da recuperação em curso na economia portuguesa. Por mais pouco
consistente e consolidada que esta recuperação se apresente, por mais que ela
tenha que ver com a desaceleração do aperto fiscal da austeridade responsável
pela emergência do consumo interno como motor dessa recuperação, por mais que
ela não veicule a tão propagada reforma estrutural da economia portuguesa que é
uma treta, uma recuperação económica não pode ser desvalorizada politicamente
como me parece ter sido o erro do PS. Os argumentos do crescimento deformado ou
não sustentado não sempre mais difíceis de esgrimir politicamente do que o simples
dado da recuperação em si. Tudo isto não perdendo de vista a baixa literacia
económica dos portugueses e do jornalismo em Portugal e sobretudo o efeito prático
de uma recuperação estar a ser conduzida essencialmente por via do consumo. Ora,
não há melhor variável macroeconómica para o eleitor comum percecionar do que a
da variação positiva do consumo privado. Bem sei que entre as histórias de vida
de penalização pela austeridade e a perceção de uma variável macro como o
consumo privado há um mundo de indeterminação a separá-las. Podemos reafirmar o
peso das primeiras e até esgrimir eleitoralmente com as mesmas, mas ignorar a
recuperação do consumo é fatal.
Terceira e última razão, todo o impacto de rigor que os sucessivos
documentos de planeamento e orçamentação que a equipa de António Costa dirigida
por Mário Centeno foi descompensado pela proposta da possibilidade da descida
da taxa contributiva aberta por alguns anos aos que estejam a mais de cinco
anos da reforma. É uma medida difícil de explicar e teria em meu entender
alternativas com menor dano político a partir do momento em que o seu objetivo é
injetar rendimento e poder de compra nas famílias.
Adenda pós
frente-a-frente televisivo
Já não há pachorra para ouvir comentários displicentes como o de Henrique
Monteiro. Não há que iludir. António Costa apareceu agressivo, tomando a
dianteira e obrigando Passos a uma estratégia mais defensiva do que era expectável
pela comunicação social. E quando assim é há jornalistas que procuram
substituir-se ao debate. Até o Professor Marcelo concedeu que a prestação de
António Costa pode com a sua intervenção ter infletido o sentido da campanha. Percebe-se
onde a maioria vai martelar. O programa do PS cheira a política económica Sócrates.
Há que combater esta ideia e tentar a demarcação. Costa tentou essa via distanciando-se
das infraestruturas pelas infraestruturas. Não chega. É necessário falar mais
das condições que vão permitir relançar o investimento. Continuo a achar que a
aposta excessiva no estímulo ao consumo, a não ser que seja coberto por questões
de política social, pode estar em desconformidade com o estado da recuperação já
em curso. Passos intuiu essa ideia e não a desenvolveu, para bem de Costa. Devolver
sobre-taxas, repor salários e outras medidas que tais bastam para o choque de
consumo que a transição necessita. A redução das contribuições individuais para
a segurança social continua a não me convencer, pela não proteção de retaguarda
que implica face ao contra-ataque da maioria. E mais do que falar de entrega à
especulação financeira do produto do plafonamento das pensões que a maioria
pretende, o que é preciso dizer é que a segurança social não pode estar à mercê
da instabilidade do sistema financeiro.
Temos por isso um Costa renovado, finalmente com uma gestão política do seu
discurso. Pode ser o mote de inflexão que a campanha estava à espera.
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