quarta-feira, 9 de setembro de 2015

CARO PORFÍRIO, O QUE PENSA DISTO TUDO?




(Mais alguns preliminares eleitorais)

Escrevo antes do frente-a-frente televisivo Costa versus Passos, e por isso apenas com toda a informação destilada ao longo dos últimos dias, incluindo a sondagem que essa instituição não venerável do Correio da Manhã encomendou e acaba de publicar. Nestas coisas das sondagens, a minha referência, como a de muita gente, é a palavra e a escrita de Pedro Magalhães, o qual não atribui especial importância aos cinco pontos percentuais que parecem dar a dianteira à coligação que suporta o atual governo. Mas o que parece inequívoco é a tendência de baixa que o PS não consegue inverter, com tudo o que isso pode implicar em termos de formação de dinâmicas cumulativas, sobretudo daquelas que se formam e influenciam os que gostam de estar com os vencedores, ou seja, de partilhar uma dinâmica de vitória.

As sondagens valem o que valem e creio que ninguém arrisca apenas com estes elementos prognosticar o que nos vai cair em sorte após o dia 4 de outubro e que tipo de lios parlamentares nos esperam para a formação de um governo.

Mas, embora sabendo tudo isso, esta parece ser a oportunidade certa para questionar o que terá acontecido para que as perspetivas eleitorais que acompanharam António Costa à liderança do PS tenham começado a dar sinais senão de esboroamento, pelo menos a exigir um refreamento de expectativas. A invocação do nome de Porfírio Silva deve-se ao facto de, à falta de melhor informação sobre quem ajuda efetivamente António Costa a organizar o seu pensamento político transmitido aos portugueses, ele ser um dos pensamentos mais estruturados que o PS dispõe neste momento. E a sua participação no Quadratura do Círculo em substituição do próprio Costa quando Jorge Coelho teve uma indisponibilidade de presença mostrou alguém que não enjeitou responsabilidades no tom e conteúdo com que António Costa se apresentou aos portugueses depois de assumir a liderança do partido.

Tem por isso relevância perguntar o que terá corrido menos bem em todo este processo.

O primeiro argumento que emerge é o do efeito Sócrates. Não estou seguro que haja uma condenação generalizada do ex-primeiro ministro como efeito direto com impacto eleitoral. Mas seguramente que há um efeito indireto, sobretudo mediado pela sistemática remissão que a maioria faz para o que deu origem à entrada da Troika, como se o PS já não tivesse sido penalizado eleitoralmente por isso. O PS não analisou e não assumiu friamente quando devia os aspetos a não replicar da governação Sócrates. Seguro agilizou apenas o não me comprometas. Costa herda assim uma situação sempre em deflagração potencial. A estratégia da defesa de Sócrates típica de um obstinado, incapaz de uma autocrítica séria sobre os efeitos perversos da sua governação na alocação dos recursos produtivos na economia portuguesa, torna extremamente difícil a António Costa afirmar-se como alternativa e convencer os portugueses em simultâneo de que nunca permitirá o regresso ao passado incómodo. A situação é tão em fio de navalha que os próprios aspetos positivos da governação PS no passado não foram suficientemente vincados e permanecem assim num limbo que não produz ganhos eleitorais para o PS. E o pior é que, mesmo considerando que Sócrates sossega um pouco e se abstém de intervir nestas semanas até ao 4 de outubro, o que não é seguro face à sua obstinação, o pior está consumado.

Uma segunda razão para este declínio de expectativas prende-se com a subvalorização da recuperação em curso na economia portuguesa. Por mais pouco consistente e consolidada que esta recuperação se apresente, por mais que ela tenha que ver com a desaceleração do aperto fiscal da austeridade responsável pela emergência do consumo interno como motor dessa recuperação, por mais que ela não veicule a tão propagada reforma estrutural da economia portuguesa que é uma treta, uma recuperação económica não pode ser desvalorizada politicamente como me parece ter sido o erro do PS. Os argumentos do crescimento deformado ou não sustentado não sempre mais difíceis de esgrimir politicamente do que o simples dado da recuperação em si. Tudo isto não perdendo de vista a baixa literacia económica dos portugueses e do jornalismo em Portugal e sobretudo o efeito prático de uma recuperação estar a ser conduzida essencialmente por via do consumo. Ora, não há melhor variável macroeconómica para o eleitor comum percecionar do que a da variação positiva do consumo privado. Bem sei que entre as histórias de vida de penalização pela austeridade e a perceção de uma variável macro como o consumo privado há um mundo de indeterminação a separá-las. Podemos reafirmar o peso das primeiras e até esgrimir eleitoralmente com as mesmas, mas ignorar a recuperação do consumo é fatal.

Terceira e última razão, todo o impacto de rigor que os sucessivos documentos de planeamento e orçamentação que a equipa de António Costa dirigida por Mário Centeno foi descompensado pela proposta da possibilidade da descida da taxa contributiva aberta por alguns anos aos que estejam a mais de cinco anos da reforma. É uma medida difícil de explicar e teria em meu entender alternativas com menor dano político a partir do momento em que o seu objetivo é injetar rendimento e poder de compra nas famílias.

Adenda pós frente-a-frente televisivo

Já não há pachorra para ouvir comentários displicentes como o de Henrique Monteiro. Não há que iludir. António Costa apareceu agressivo, tomando a dianteira e obrigando Passos a uma estratégia mais defensiva do que era expectável pela comunicação social. E quando assim é há jornalistas que procuram substituir-se ao debate. Até o Professor Marcelo concedeu que a prestação de António Costa pode com a sua intervenção ter infletido o sentido da campanha. Percebe-se onde a maioria vai martelar. O programa do PS cheira a política económica Sócrates. Há que combater esta ideia e tentar a demarcação. Costa tentou essa via distanciando-se das infraestruturas pelas infraestruturas. Não chega. É necessário falar mais das condições que vão permitir relançar o investimento. Continuo a achar que a aposta excessiva no estímulo ao consumo, a não ser que seja coberto por questões de política social, pode estar em desconformidade com o estado da recuperação já em curso. Passos intuiu essa ideia e não a desenvolveu, para bem de Costa. Devolver sobre-taxas, repor salários e outras medidas que tais bastam para o choque de consumo que a transição necessita. A redução das contribuições individuais para a segurança social continua a não me convencer, pela não proteção de retaguarda que implica face ao contra-ataque da maioria. E mais do que falar de entrega à especulação financeira do produto do plafonamento das pensões que a maioria pretende, o que é preciso dizer é que a segurança social não pode estar à mercê da instabilidade do sistema financeiro.

Temos por isso um Costa renovado, finalmente com uma gestão política do seu discurso. Pode ser o mote de inflexão que a campanha estava à espera.

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