sábado, 12 de setembro de 2015

AÇÃO COLETIVA E MOBILIDADE SOCIAL




(Reflexões inspiradas em pensamento além do Atlântico, mais propriamente de Richard Freeman e Lawrence Summers)

Não quero ser chato, mas não abdico de considerar que se deveria prestar mais atenção ao pensamento e ao debate que se vai produzindo e travando do ouro lado do Atlântico, tamanha é a riqueza desse espólio. Já fui sinceramente dos que desvalorizei a atração de outros pelo debate americano. Mas hoje estou rendido ao modo como os mais influentes macroeconomistas no reconhecimento entre pares e, apesar das suas diferenças de posicionamento político na sociedade americana, enriquecem regularmente. E, mesmo se utilizarmos a mais recente classificação utilizada por Paul Romer entre “bench science” (investigação realizada controladamente em laboratório com recurso a sujeitos não humanos)  e “clinical work”, ou seja entre os economistas que produzem pensamento sem influência direta na política económica e os que trabalham nesse mundo difícil da construção de modelos de suporte à decisão em política económica, o debate existe.

Vem tudo isto a propósito de uma investigação dirigida por Richard Freeman (Harvard University) para o Center for American Progress, na qual se demonstra que a sindicalização dos trabalhadores constitui um poderoso fator de mobilidade social, sobretudo pelo impacto que ela tem nos filhos de quem é ou não é sindicalizado. O estudo chama-se “Bargaining for the American Dream -What Unions do for Mobility” e foi apresentado em seminário público com a participação de Lawrence Summers que escreve sobre o assunto como uma condição da sociedade americana regressar ao universo das condições de mobilidade ascendente de que em tempos idos se reclamava.

Esta questão é para mim relevante, pois temos assistido nos últimos tempos a uma displicência gritante no modo como encaramos a descida vertiginosa da taxa de sindicalização das economias mais avançadas, em que a economia de mercado é a matriz dominante de organização. Essa descida é acolhida com um encolher de ombros, como algo de inevitável, como se a sindicalização fosse algo de arcaico, fora de moda e em contracorrente dos grandes rumos das democracias de mercado. Essa indiferença displicente é perigosa e não é totalmente explicada pelos comportamentos de rigidez e de contradição entre os que têm emprego e os que não o têm. É que sem a presença de organizações representativas fortes do trabalho na economia e sem uma larga representatividade destas últimas, a relação de forças entre capital e trabalho deteriora-se sem regulação possível e assiste-se à formação de contextos que tal como o presente o desequilíbrio de forças é evidente e pernicioso. O capitalismo é uma força perigosa sem mecanismos de regulação de representação de interesses e por isso deveríamos olhar com mais preocupação para a descida vertiginosa da taxa de sindicalização das economias de mercado. Isto não significa que os próprios sindicatos não necessitem de reforma profunda. Mas essa reforma é impossível com uma descida tão vertiginosa da taxa de sindicalização.

Lawrence Summers, e não é propriamente um membro do Partido Comunista de que estamos a falar, insurge-se contra as práticas punitivas que algumas empresas assumem contra o exercício de ações coletivas dos seus trabalhadores, como se a ação coletiva fosse algo fora do tempo. É absolutamente crucial que a influência da sindicalização se concretize em formas aprofundadas de participação na vida das empresas, seja de partilha de resultados, seja de orientação das condições de trabalho, seja de garantia de condições de progressão profissional dos trabalhadores incluindo a gestão das prioridades de formação. Só nesse campo de hipóteses será possível retomar padrões mais equilibrados de repartição da riqueza gerada a partir das empresas e impedir por exemplo que os rácios entre remuneração de CEO e salários médios de trabalhadores disparem para valores de verdadeira insanidade de mercado.

Não vejo a social-democracia e os socialistas europeus focados nesta realidade. A má consciência com que se relacionam com o mundo empresarial e o endeusamento das questões da competitividade inibe-os de assumir posições que liberais e democratas americanos reconhecem hoje sem qualquer preconceito ou inibição.

Quem diria que chegaríamos a esta degenerescência!

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