(Um tom
mais ponderado do que se esperaria na decisão do FED de ontem)
Ontem, aproveitando os benefícios da conectividade global e já depois de
ter lido o comunicado da decisão do FED, assisti à pacata conferência de
imprensa de Janet Yellen em Washington, perante cerca de 40 jornalistas,
regressando a uma matéria bem mais importante do que as tricas e fait-divers
que se cruzam nas eleições portuguesas. O FOMC tinha acabado de ratificar a não
alteração da taxa de referência do banco central americano, com a curiosidade
da votação final ser bem mais favorável à não subida da taxa de referência do
que se esperaria. Apenas 1 falcão para 9 votos a favor da manutenção. O que é
relevante é a leitura nas entrelinhas dos fundamentos que atravessam a decisão
tomada, tanto mais importantes quanto o FED tinha anunciado em julho que a tendência
mais provável seria a política monetária entrar em regime de “normalidade”. Mas
como temos aqui sublinhado, isto de “normalidade macroeconómica” é coisa que já
não é o que era e por isso a política macroeconómica tem de aprender a viver
com coisas que o mainstream económico
tinha precocemente arrumado na arca da história económica.
Os fundamentos para a decisão do FED são uma combinação de dois tipos de
condições: internas da economia americana e externas, sobretudo o comportamento
do preço dos combustíveis, a apreciação do dólar e os problemas conhecidos da
economia chinesa.
No que respeita às condições internas da economia americana, os membros
votantes do FOMC aderiram às leituras veiculadas pelos macroeconomistas
americanos mais ativos na comunicação pública. A economia americana parece
alinhada com uma trajetória de crescimento robusto (a mediana das projeções dos
elementos do FOMC evidenciam melhoria das perspetivas de crescimento) e a taxa
de desemprego está de facto próxima da taxa de desemprego natural (5%). Mas a
inflação americana permanece bastante abaixo da meta do FED e o comportamento
da taxa de participação da força de trabalho e a progressão dos salários
continuam abaixo de uma situação típica de potencial incremento da inflação. No
discurso inicial que Yellen proferiu não há referências ao comportamento da
produtividade, o que vem trazer alguma interrogação ao tipo de discussão que
terá sido travada entre os membros do FOMC para chegar aquela decisão. Mas uma
coisa é certa: está confirmado que a leitura da dinâmica do mercado de trabalho
não se limita de uma vez por todas à variável da taxa de desemprego, o que em
si é uma referência importante até para consumo interno da discussão política
em Portugal. Depois, há também a evidência de que, nas condições atuais, o
desfasamento temporal que pode existir entre uma trajetória robusta de
crescimento e o aparecimento de tensões inflacionárias pode ser muito
significativo, impondo por isso muita ponderação à interpretação da relação entre
taxa de desemprego e comportamento dos preços.
Como é óbvio, a cautela com que o FED avalia a trajetória de crescimento da
economia americana e os seus efeitos sobre a inflação também se explica pela
tendência de descida de preços do petróleo (que na economia americana não pode
ser interpretada apenas na perspetiva do consumidor) e pela apreciação do
dólar, neste caso largamente induzida pelos comportamentos próprios de moedas
como o euro, o yen e o renminbi. Além disso, os problemas da economia chinesa e
de outras economias emergentes são apresentados como geradores de possíveis
efeitos penalizadores da robustez do crescimento americano e sobretudo com
efeitos de pressão descendente dos preços.
Esperar para ver e recolher mais evidência pode ser entendido como o mote
da estratégia do FED que a calma contagiante de Janet Yellen tão bem
representa. Como já aqui referi, é um consolo ter à frente do FED, e por isso
de forças relevantes na economia mundial, uma economista com o equilíbrio
típico de Yellen. O que também parece evidente é que a interdependência da
economia mundial está aí para durar e, não havendo uma sólida arquitetura de
governação à escala mundial, é mais seguro ter gente competente e equilibrada à
frente dos destinos das principais instituições com influência na situação
mundial. Assim as houvesse no teatro político europeu e não os aprendizes de
feiticeiros que estão na origem da vergonhosa situação dos refugiados em
demanda da Europa.
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