sexta-feira, 18 de setembro de 2015

9 “POMBAS”, 1 “FALCÃO”




(Um tom mais ponderado do que se esperaria na decisão do FED de ontem)

Ontem, aproveitando os benefícios da conectividade global e já depois de ter lido o comunicado da decisão do FED, assisti à pacata conferência de imprensa de Janet Yellen em Washington, perante cerca de 40 jornalistas, regressando a uma matéria bem mais importante do que as tricas e fait-divers que se cruzam nas eleições portuguesas. O FOMC tinha acabado de ratificar a não alteração da taxa de referência do banco central americano, com a curiosidade da votação final ser bem mais favorável à não subida da taxa de referência do que se esperaria. Apenas 1 falcão para 9 votos a favor da manutenção. O que é relevante é a leitura nas entrelinhas dos fundamentos que atravessam a decisão tomada, tanto mais importantes quanto o FED tinha anunciado em julho que a tendência mais provável seria a política monetária entrar em regime de “normalidade”. Mas como temos aqui sublinhado, isto de “normalidade macroeconómica” é coisa que já não é o que era e por isso a política macroeconómica tem de aprender a viver com coisas que o mainstream económico tinha precocemente arrumado na arca da história económica.

Os fundamentos para a decisão do FED são uma combinação de dois tipos de condições: internas da economia americana e externas, sobretudo o comportamento do preço dos combustíveis, a apreciação do dólar e os problemas conhecidos da economia chinesa.

No que respeita às condições internas da economia americana, os membros votantes do FOMC aderiram às leituras veiculadas pelos macroeconomistas americanos mais ativos na comunicação pública. A economia americana parece alinhada com uma trajetória de crescimento robusto (a mediana das projeções dos elementos do FOMC evidenciam melhoria das perspetivas de crescimento) e a taxa de desemprego está de facto próxima da taxa de desemprego natural (5%). Mas a inflação americana permanece bastante abaixo da meta do FED e o comportamento da taxa de participação da força de trabalho e a progressão dos salários continuam abaixo de uma situação típica de potencial incremento da inflação. No discurso inicial que Yellen proferiu não há referências ao comportamento da produtividade, o que vem trazer alguma interrogação ao tipo de discussão que terá sido travada entre os membros do FOMC para chegar aquela decisão. Mas uma coisa é certa: está confirmado que a leitura da dinâmica do mercado de trabalho não se limita de uma vez por todas à variável da taxa de desemprego, o que em si é uma referência importante até para consumo interno da discussão política em Portugal. Depois, há também a evidência de que, nas condições atuais, o desfasamento temporal que pode existir entre uma trajetória robusta de crescimento e o aparecimento de tensões inflacionárias pode ser muito significativo, impondo por isso muita ponderação à interpretação da relação entre taxa de desemprego e comportamento dos preços.

Como é óbvio, a cautela com que o FED avalia a trajetória de crescimento da economia americana e os seus efeitos sobre a inflação também se explica pela tendência de descida de preços do petróleo (que na economia americana não pode ser interpretada apenas na perspetiva do consumidor) e pela apreciação do dólar, neste caso largamente induzida pelos comportamentos próprios de moedas como o euro, o yen e o renminbi. Além disso, os problemas da economia chinesa e de outras economias emergentes são apresentados como geradores de possíveis efeitos penalizadores da robustez do crescimento americano e sobretudo com efeitos de pressão descendente dos preços.

Esperar para ver e recolher mais evidência pode ser entendido como o mote da estratégia do FED que a calma contagiante de Janet Yellen tão bem representa. Como já aqui referi, é um consolo ter à frente do FED, e por isso de forças relevantes na economia mundial, uma economista com o equilíbrio típico de Yellen. O que também parece evidente é que a interdependência da economia mundial está aí para durar e, não havendo uma sólida arquitetura de governação à escala mundial, é mais seguro ter gente competente e equilibrada à frente dos destinos das principais instituições com influência na situação mundial. Assim as houvesse no teatro político europeu e não os aprendizes de feiticeiros que estão na origem da vergonhosa situação dos refugiados em demanda da Europa.

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