sexta-feira, 18 de setembro de 2015

CHAMAM-LHE JORNALISMO!

(Bernardo Erlich, http://elpais.com)


Com a honrosa exceção do “Público”, as reações dos principais jornais nacionais ao debate radiofónico de ontem sinalizam o grau zero do jornalismo e da política a que chegamos.

Numa cruel sociedade do espetáculo onde o que cada vez mais gritantemente releva não é o que é mas o que se consegue fazer parecer que seja – no caso concreto, mais do que um balanço da trágica governação que os portugueses sofreram na legislatura anterior, do que uma análise comparada e rigorosamente confrontativa dos programas em presença, do que o tratamento dado (ou a dar) a áreas e dossiês específicos, do que a confirmação/infirmação da credibilidade curricular, pessoal e política dos candidatos, do que a efetivação de sérios fact checking por profissionais competentes e verdadeiramente independentes (o que alguns já se começam a dar ao trabalho de fazer, mas só a posteriori)... importa, isso sim, saber se um possível futuro primeiro-ministro sabe exatamente a que corresponde a rubrica de mil milhões que consta das pormenorizadas contas que transparentemente deu a conhecer em termos públicos! Contas essas, obviamente, que decorrem de grandes opções políticas que são as suas e por si definidas, mas que não têm de ter sido realizadas pelo próprio nem em máquina de calcular de sua propriedade nem por ele verificadas ao detalhe infinitesimal.

Só que a malta gosta é disto, dos truques e das retóricas com que os que melhor e mais encartadamente/enlatadamente lidam com a desvergonha e a mentira vão enfrentando (e julgando, ou conseguindo?, subjugar) os que valorizam o trabalho e a verdade. Ainda vamos acabar como aquele nosso caseiro que perguntava ao ministro da Agricultura de então se devia ou não deitar boro numa determinada plantação que estava a fazer e, perante as hesitações daquele, concluía que ele não percebia nada da matéria sob sua tutela!

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