(A campanha
começa, as sondagens multiplicam-se: mas que dinâmicas estão em formação?)
Tempos estranhos, estes. Dizem-nos que a
campanha começa, mas a nossa perceção é que o governo já não governa há muito
tempo, ou melhor concretiza a partir de S. Bento a sua campanha eleitoral. Por
outro lado, todo o ambiente mediático está já transformado num verdadeiro circo
eleitoral. E neste ambiente mediático o próprio jornalismo, ou que se
autodesigna de tal, parece ele próprio desorientado. Na sua relação com os
tempos eleitorais, o jornalismo costumava dividir-se em dois grandes grupos: o
que mantinha uma atitude crítica, de escrutínio jornalístico, face ao poder
constituído, qualquer que ele fosse; o que farejava vencedores e alinhava com
os mesmos, numa dinâmica precoce de partilha de uma dinâmica de vitória. Essa
divisão já não é útil para perceber a relação dos jornais e dos meios de
comunicação com as eleições. Primeiro, o escrutínio político do poder é muito
limitado, pois o jornalismo de investigação quase que desapareceu dos jornais e
dos restantes meios de comunicação. Segundo, como não há uma dinâmica de vitória
formada, como aconteceu por exemplo nas eleições primárias internas do PS, o
jornalismo transformou-se numa barata tonta. É claro o paradoxo da maioria dos
jornalistas andar sempre a protestar contra a falta de profundidade dos políticos,
mas quando surge alguma profundidade o mesmo jornalismo refugia-se no sound byte mais primário e arruma com a
questão do tempo da mensagem qualquer veleidade de não fazer dos portugueses
estúpidos. Tenho para mim que o enfado como um jornalista com nome, Henrique
Monteiro, comentou na SIC Notícias o primeiro debate Costa-Passos é bem
ilustrativo da pobreza de espírito e falta de trabalho a que uma grande parte
do jornalismo português chegou. Devem trabalhar muito pouco. São os primeiros a
desistir de um argumento mais profundo. São mais preguiçosos do que o português
mais preguiçoso.
Mas falemos de dinâmicas. Temos de distinguir claramente duas fases: a de
pré-campanha (designação eufemística e hoje sem grande sentido) com toda a sequência
de debates e entrevistas, mas também de rua, e a fase que vai agora abrir-se, a
da campanha de rua, em que as forças políticas vão estar reféns da cobertura
jornalística, radiofónica e televisiva.
Admito que nunca esperaria ver o PS a disputar décimas percentuais para se
impor à atual maioria. Não sou um profundo conhecedor sociológico do país e dos
portugueses, as minhas redes pessoais são mínimas, nos últimos tempos tenho
andado pouco pela rua, mas sempre esperei que a rejeição da maioria por parte
do eleitorado efetivo e potencial do PS despertasse com muito mais vigor do que
a que vai sendo percecionada. Até posso dar de barato que uma parte do
eleitorado do PS não gostou da forma como Costa se perfilou para a mudança de
Seguro. Mas sempre achei que, embora não menosprezando a máquina eleitoral
sobretudo do PSD, a situação de rejeição fosse mais evidente e gerasse dinâmicas
de vitória mais rápidas. É verdade que a rejeição existe, somando apenas as
votações indicativas do PS, PCP, Bloco de Esquerda e Livre. Mas é uma rejeição
que não se traduz em dinâmica de vitória, daquelas que geram o efeito de
arrastamento. Por isso, podemos chegar ao absurdo de termos uma larga maioria
de rejeição da atual maioria e isso não se traduzir numa alternativa de governo
sufragada parlamentarmente. O que na minha perspetiva seria trágico e revelador
da miopia global da esquerda.
Ainda nesta primeira fase, o PS começou mal e a medo. Construiu uma sequência
programática, consistente e coerente com a sua forma de estar na governação
(salvo algumas exceções que têm custado a Costa alguns dissabores, para as
quais invoquei uma explicação subliminar, Costa não concorda com elas e por
isso não as domina integralmente). Cometeu talvez o erro de ter pressuposto que
a sua identificação com os penalizados pela governação da maioria era automática,
talvez pelo receio de ser identificado como radical. Não o era. A impreparação
da pré-campanha com o não profissionalismo dos cartazes complicou. A questão
europeia complicou sempre, com SYRIZA ou sem SYRIZA. Foi por isso fazer
imprevistamente o que os espanhóis chamam a remontada. O primeiro debate ajudou
muito. O segundo talvez não. E ajudaram as incidências do que Pacheco Pereira
designa de mentirómetro de Passos Coelho. Uma luz vermelha praticamente
permanente.
É com esta dinâmica incipiente para as expectativas que tínhamos que
chegamos à exaustão dos quinze dias de terreno. A minha experiência de
campanhas eleitorais é nula. Mas creio que não é a campanha que vai influenciar
o dia 4, mas sim a perceção que os meios de comunicação vão construir sobre a
mesma. Globalmente, a imprensa tem sido desfavorável ao PS. É capaz por exemplo
de colocar Catarina Martins nos píncaros (e a sua participação nos debates foi
inequivocamente muito boa), mas até agora tem mantido uma atitude muito crítica
face ao PS. E não estou a falar do jornalismo acolitado pelo Observador. Esse,
pelo menos, está classificado. É melhor assim, para contextualizar toda a sua
crispação contra Costa e o PS. Mas o outro jornalismo parece não ter ainda
cheirado a dinâmica de vitória.
Pelo meio, teremos amanhã as eleições gregas, em que a dúvida é a de saber
se Tsipras vai ser crucificado, ou se pelo contrário ganha mesmo sem maioria
absoluta e continua a colocar o diretório europeu sob a ameaça de que politicamente
o TINA não é afinal TINA e os gregos merecem louvor por essa proeza.
Estou inquieto e preocupado. Uma não dinâmica de vitória do PS terá consequências
imprevisíveis para a viabilidade de uma esquerda em Portugal com pretensões a
governar e não apenas a capitalizar protesto. Com mais de 50% dos eleitores a
rejeitarem politica e não em termos populistas a governação da maioria e mesmo
assim poder não haver um governação alternativa será trágico e a criação de uma
trajetória de declínio histórico anunciado.
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