sábado, 19 de setembro de 2015

PRELIMINARES ELEITORAIS V



(A campanha começa, as sondagens multiplicam-se: mas que dinâmicas estão em formação?)

Tempos estranhos, estes. Dizem-nos que a campanha começa, mas a nossa perceção é que o governo já não governa há muito tempo, ou melhor concretiza a partir de S. Bento a sua campanha eleitoral. Por outro lado, todo o ambiente mediático está já transformado num verdadeiro circo eleitoral. E neste ambiente mediático o próprio jornalismo, ou que se autodesigna de tal, parece ele próprio desorientado. Na sua relação com os tempos eleitorais, o jornalismo costumava dividir-se em dois grandes grupos: o que mantinha uma atitude crítica, de escrutínio jornalístico, face ao poder constituído, qualquer que ele fosse; o que farejava vencedores e alinhava com os mesmos, numa dinâmica precoce de partilha de uma dinâmica de vitória. Essa divisão já não é útil para perceber a relação dos jornais e dos meios de comunicação com as eleições. Primeiro, o escrutínio político do poder é muito limitado, pois o jornalismo de investigação quase que desapareceu dos jornais e dos restantes meios de comunicação. Segundo, como não há uma dinâmica de vitória formada, como aconteceu por exemplo nas eleições primárias internas do PS, o jornalismo transformou-se numa barata tonta. É claro o paradoxo da maioria dos jornalistas andar sempre a protestar contra a falta de profundidade dos políticos, mas quando surge alguma profundidade o mesmo jornalismo refugia-se no sound byte mais primário e arruma com a questão do tempo da mensagem qualquer veleidade de não fazer dos portugueses estúpidos. Tenho para mim que o enfado como um jornalista com nome, Henrique Monteiro, comentou na SIC Notícias o primeiro debate Costa-Passos é bem ilustrativo da pobreza de espírito e falta de trabalho a que uma grande parte do jornalismo português chegou. Devem trabalhar muito pouco. São os primeiros a desistir de um argumento mais profundo. São mais preguiçosos do que o português mais preguiçoso.

Mas falemos de dinâmicas. Temos de distinguir claramente duas fases: a de pré-campanha (designação eufemística e hoje sem grande sentido) com toda a sequência de debates e entrevistas, mas também de rua, e a fase que vai agora abrir-se, a da campanha de rua, em que as forças políticas vão estar reféns da cobertura jornalística, radiofónica e televisiva.

Admito que nunca esperaria ver o PS a disputar décimas percentuais para se impor à atual maioria. Não sou um profundo conhecedor sociológico do país e dos portugueses, as minhas redes pessoais são mínimas, nos últimos tempos tenho andado pouco pela rua, mas sempre esperei que a rejeição da maioria por parte do eleitorado efetivo e potencial do PS despertasse com muito mais vigor do que a que vai sendo percecionada. Até posso dar de barato que uma parte do eleitorado do PS não gostou da forma como Costa se perfilou para a mudança de Seguro. Mas sempre achei que, embora não menosprezando a máquina eleitoral sobretudo do PSD, a situação de rejeição fosse mais evidente e gerasse dinâmicas de vitória mais rápidas. É verdade que a rejeição existe, somando apenas as votações indicativas do PS, PCP, Bloco de Esquerda e Livre. Mas é uma rejeição que não se traduz em dinâmica de vitória, daquelas que geram o efeito de arrastamento. Por isso, podemos chegar ao absurdo de termos uma larga maioria de rejeição da atual maioria e isso não se traduzir numa alternativa de governo sufragada parlamentarmente. O que na minha perspetiva seria trágico e revelador da miopia global da esquerda.

Ainda nesta primeira fase, o PS começou mal e a medo. Construiu uma sequência programática, consistente e coerente com a sua forma de estar na governação (salvo algumas exceções que têm custado a Costa alguns dissabores, para as quais invoquei uma explicação subliminar, Costa não concorda com elas e por isso não as domina integralmente). Cometeu talvez o erro de ter pressuposto que a sua identificação com os penalizados pela governação da maioria era automática, talvez pelo receio de ser identificado como radical. Não o era. A impreparação da pré-campanha com o não profissionalismo dos cartazes complicou. A questão europeia complicou sempre, com SYRIZA ou sem SYRIZA. Foi por isso fazer imprevistamente o que os espanhóis chamam a remontada. O primeiro debate ajudou muito. O segundo talvez não. E ajudaram as incidências do que Pacheco Pereira designa de mentirómetro de Passos Coelho. Uma luz vermelha praticamente permanente.

É com esta dinâmica incipiente para as expectativas que tínhamos que chegamos à exaustão dos quinze dias de terreno. A minha experiência de campanhas eleitorais é nula. Mas creio que não é a campanha que vai influenciar o dia 4, mas sim a perceção que os meios de comunicação vão construir sobre a mesma. Globalmente, a imprensa tem sido desfavorável ao PS. É capaz por exemplo de colocar Catarina Martins nos píncaros (e a sua participação nos debates foi inequivocamente muito boa), mas até agora tem mantido uma atitude muito crítica face ao PS. E não estou a falar do jornalismo acolitado pelo Observador. Esse, pelo menos, está classificado. É melhor assim, para contextualizar toda a sua crispação contra Costa e o PS. Mas o outro jornalismo parece não ter ainda cheirado a dinâmica de vitória.

Pelo meio, teremos amanhã as eleições gregas, em que a dúvida é a de saber se Tsipras vai ser crucificado, ou se pelo contrário ganha mesmo sem maioria absoluta e continua a colocar o diretório europeu sob a ameaça de que politicamente o TINA não é afinal TINA e os gregos merecem louvor por essa proeza.

Estou inquieto e preocupado. Uma não dinâmica de vitória do PS terá consequências imprevisíveis para a viabilidade de uma esquerda em Portugal com pretensões a governar e não apenas a capitalizar protesto. Com mais de 50% dos eleitores a rejeitarem politica e não em termos populistas a governação da maioria e mesmo assim poder não haver um governação alternativa será trágico e a criação de uma trajetória de declínio histórico anunciado.

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