(Notas
sobre uma participação no IX Encontro Nacional de Planeadores do Território,
sessão integrada na conferência internacional promovida pela Universidade de
Aveiro …)
Os dias 28 e 29 de setembro de 2015 acolhem na Universidade de Aveiro uma
relevante conferência internacional – Meanings of theRural – cujo subtítulo “Between social representations, consumptions and rural development strategies” é verdadeiramente aliciante. No âmbito dessa
conferência internacional realiza-se no dia 28 o IXEncontro Nacional de Planeadores do Território, com organização da
APPLA. O Departamento de Planeamento do Território da Universidade de Aveiro
convidou-me amavelmente para a sessão desse Encontro Nacional, sob a moderação
do sempre dinâmico Professor José Carlos Mota e com a companhia do Álvaro
Domingues e do Jorge Carvalho.
O encontro está subordinado ao tema “Das vacas gordas
às vacas magras” e pretende discutir as implicações para os
territórios interiores do processo de contração de recursos públicos em termos
de investimento público e de rendimentos privados, num contexto em que o próprio
rural se vai transformando, a ponto de algumas vozes mais controversas, entre
as quais a do próprio Álvaro Domingues, invocarem que o rural como o conhecemos
já não existe.
O tema é aliciante e vou abordá-lo mais numa perspetiva de desenvolvimento
do que na de planeador do território, ou seja propondo um diálogo entre os meus
dois hemisférios cerebrais, o mais profissional que trabalha com o planeamento
do território e o mais analítico que pensa o desenvolvimento em geral e desses
territórios em particular.
A minha intervenção é também a oportunidade para registar e agradecer
infinitamente a influência que, nesta matéria, o Professor Oliveira Baptista do
Instituto Superior de Agronomia, com quem tive o prazer de trabalhar no âmbito
do Plano Regional de Ordenamento do Território da Região Centro (que não chegou
a ser publicado por este governo), exerceu no meu pensamento. É ao Professor
Oliveira Batista que devo a perceção de que os últimos tempos nos trouxeram uma
transformação crucial nestes territórios:
Antes: Agricultura-floresta ≡ Rural ≡ Espaço.
Hoje: essas três dimensões são distintas e inclusivamente assiste-se à
dessincronização da agricultura e da floresta, já que uma parte considerável das
áreas agrícolas e florestais não apresentam qualquer orientação produtiva. Daí
a relevância crescente das chamadas economias rurais não agrícolas. Os outos
usos do solo, para além dos da produção agrícola e florestal, adquirem uma
relevância crucial, neles se destacando as atividades territoriais (turismo,
por exemplo), a gestão e reserva ambiental e a conservação da natureza. Para além
disso, Oliveira Batista mostra exemplarmente que o meio é um campo de
possibilidades e que não há hoje um determinismo do uso do solo. E há uma
distinção fundamental a fazer: existem atividades (a chamada agricultura
competitiva e também a gestão da floresta para o mercado) onde a lógica de
mercado é a determinante mais do que as características de uso do solo em que
se inserem e um conjunto vasto de outras atividades que isoladamente não têm qualquer
perspetiva de otimização de rendibilidade e em que a sua relação integrada com
o território é crucial com ótimos sociais e não de mercado a organizar a sua
reprodução.
Parto desta constatação e sobretudo da ideia de que a criação de riqueza e
de emprego nos territórios interiores rurais não pode ser concebida à margem
dos que ousaram aí permanecer e dos que neles pretendem fixar-se. E parto ainda
da convicção de que, após a publicação da obra A Demografia
e o País de Eduardo Anselmo
Castro, José Manuel Martins e Carlos Jorge Silva da Universidade de Aveiro, que
tive o prazer de apresentar no Porto e à qual Pacheco Pereira se referiu no último
Quadratura do Círculo após a ter apresentado em Lisboa, dificilmente poderemos
considerar a questão dos territórios interiores como o reflexo de uma questão
demográfica tout court. Há certamente
um processo de esvaimento demográfico que no meu modelo de análise é também um
processo de envelhecimento e de rarefação de capacidade empresarial, mas a dinâmica
demográfica futura destes territórios é indissociável da dinâmica económica que
possamos preservar ou estimular nestes territórios.
Seguindo esta pista de abordagem, convirjo com a posição dos autores de A Demografia e o País quando eles referem que a atração de investimento
a estes territórios só é viável com a atração simultânea de migrações internas
(ou internacionais), não esquecendo a imprescindível renovação de oferta de
capacidade empresarial (a partir de dentro ou de fora, na esmagadora maioria
das situações de fora e não de dentro). A tentação de associarmos esta questão
ao cenário das migrações internacionais hoje no centro dos desastres da
incapacidade europeia deve ser refreada. Portugal não tem condições de
atratividade nestes territórios para uma atração em larga escala e seguir, por
exemplo, uma estratégia do tipo das Charter Cities de Paul Romer (ver aqui, aqui e aqui abordagens neste blogue a
esta questão). Mas vou utilizar na minha intervenção o confronto entre duas máximas
trazidas por Paul Romer a esta questão da atração e acolhimento de migrantes.
As máximas são:
Build it and they
will come
Let them come and
they will build it.
Onde é que eu quero chegar fazendo atravessar a minha intervenção pelo
confronto entre estas duas máximas?
O “Build it and they will come”
tem sido a norma da política pública nos últimos tempos e sabemos o resultado. Não
tem resultado. Os territórios interiores apresentam situações acima da média
nacional em termos de coesão e de qualidade ambiental, não em termos de
capacidade de geração de riqueza. As infraestruturas e as amenidades foram
construídas mas eles (pessoas e investimentos) não apareceram. É o que o “Should
I stay or Should I go?” e o “Should I invest or not? que se pretendem
influenciar são mais complexos. Será talvez tempo para equacionarmos o Let them come and they will build it. Não
temos dele grande experiência mas já fomos obrigados a praticá-lo e com êxito. Descontando
o período inicial de transição que o romance de Dulce Maria Cardoso tão bem descreve, a integração dos desalojados das ex-colónias foi em Portugal um claríssimo
processo de Let them come and they will build it.
Temos de investir na organização deste tipo de processos e ter coragem de
construir novas urbanidades no interior a partir desta integração.
Vasto e fascinante material para polemizar no dia 28, entre 16.30 e as
18.30.
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