quarta-feira, 23 de setembro de 2015

MEANS OF THE RURAL




(Notas sobre uma participação no IX Encontro Nacional de Planeadores do Território, sessão integrada na conferência internacional promovida pela Universidade de Aveiro …)

Os dias 28 e 29 de setembro de 2015 acolhem na Universidade de Aveiro uma relevante conferência internacional – Meanings of theRural – cujo subtítulo “Between social representations, consumptions and rural development strategies” é verdadeiramente aliciante. No âmbito dessa conferência internacional realiza-se no dia 28 o IXEncontro Nacional de Planeadores do Território, com organização da APPLA. O Departamento de Planeamento do Território da Universidade de Aveiro convidou-me amavelmente para a sessão desse Encontro Nacional, sob a moderação do sempre dinâmico Professor José Carlos Mota e com a companhia do Álvaro Domingues e do Jorge Carvalho.

O encontro está subordinado ao tema “Das vacas gordas às vacas magras” e pretende discutir as implicações para os territórios interiores do processo de contração de recursos públicos em termos de investimento público e de rendimentos privados, num contexto em que o próprio rural se vai transformando, a ponto de algumas vozes mais controversas, entre as quais a do próprio Álvaro Domingues, invocarem que o rural como o conhecemos já não existe.

O tema é aliciante e vou abordá-lo mais numa perspetiva de desenvolvimento do que na de planeador do território, ou seja propondo um diálogo entre os meus dois hemisférios cerebrais, o mais profissional que trabalha com o planeamento do território e o mais analítico que pensa o desenvolvimento em geral e desses territórios em particular.

A minha intervenção é também a oportunidade para registar e agradecer infinitamente a influência que, nesta matéria, o Professor Oliveira Baptista do Instituto Superior de Agronomia, com quem tive o prazer de trabalhar no âmbito do Plano Regional de Ordenamento do Território da Região Centro (que não chegou a ser publicado por este governo), exerceu no meu pensamento. É ao Professor Oliveira Batista que devo a perceção de que os últimos tempos nos trouxeram uma transformação crucial nestes territórios:

Antes: Agricultura-floresta ≡ Rural ≡ Espaço.

Hoje: essas três dimensões são distintas e inclusivamente assiste-se à dessincronização da agricultura e da floresta, já que uma parte considerável das áreas agrícolas e florestais não apresentam qualquer orientação produtiva. Daí a relevância crescente das chamadas economias rurais não agrícolas. Os outos usos do solo, para além dos da produção agrícola e florestal, adquirem uma relevância crucial, neles se destacando as atividades territoriais (turismo, por exemplo), a gestão e reserva ambiental e a conservação da natureza. Para além disso, Oliveira Batista mostra exemplarmente que o meio é um campo de possibilidades e que não há hoje um determinismo do uso do solo. E há uma distinção fundamental a fazer: existem atividades (a chamada agricultura competitiva e também a gestão da floresta para o mercado) onde a lógica de mercado é a determinante mais do que as características de uso do solo em que se inserem e um conjunto vasto de outras atividades que isoladamente não têm qualquer perspetiva de otimização de rendibilidade e em que a sua relação integrada com o território é crucial com ótimos sociais e não de mercado a organizar a sua reprodução.

Parto desta constatação e sobretudo da ideia de que a criação de riqueza e de emprego nos territórios interiores rurais não pode ser concebida à margem dos que ousaram aí permanecer e dos que neles pretendem fixar-se. E parto ainda da convicção de que, após a publicação da obra A Demografia e o País de Eduardo Anselmo Castro, José Manuel Martins e Carlos Jorge Silva da Universidade de Aveiro, que tive o prazer de apresentar no Porto e à qual Pacheco Pereira se referiu no último Quadratura do Círculo após a ter apresentado em Lisboa, dificilmente poderemos considerar a questão dos territórios interiores como o reflexo de uma questão demográfica tout court. Há certamente um processo de esvaimento demográfico que no meu modelo de análise é também um processo de envelhecimento e de rarefação de capacidade empresarial, mas a dinâmica demográfica futura destes territórios é indissociável da dinâmica económica que possamos preservar ou estimular nestes territórios.

Seguindo esta pista de abordagem, convirjo com a posição dos autores de A Demografia e o País quando eles referem que a atração de investimento a estes territórios só é viável com a atração simultânea de migrações internas (ou internacionais), não esquecendo a imprescindível renovação de oferta de capacidade empresarial (a partir de dentro ou de fora, na esmagadora maioria das situações de fora e não de dentro). A tentação de associarmos esta questão ao cenário das migrações internacionais hoje no centro dos desastres da incapacidade europeia deve ser refreada. Portugal não tem condições de atratividade nestes territórios para uma atração em larga escala e seguir, por exemplo, uma estratégia do tipo das Charter Cities de Paul Romer (ver aqui, aqui e aqui abordagens neste blogue a esta questão). Mas vou utilizar na minha intervenção o confronto entre duas máximas trazidas por Paul Romer a esta questão da atração e acolhimento de migrantes.

As máximas são:

Build it and they will come

Let them come and they will build it.

Onde é que eu quero chegar fazendo atravessar a minha intervenção pelo confronto entre estas duas máximas?

O “Build it and they will come” tem sido a norma da política pública nos últimos tempos e sabemos o resultado. Não tem resultado. Os territórios interiores apresentam situações acima da média nacional em termos de coesão e de qualidade ambiental, não em termos de capacidade de geração de riqueza. As infraestruturas e as amenidades foram construídas mas eles (pessoas e investimentos) não apareceram. É o que o “Should I stay or Should I go?”  e o “Should I invest or not? que se pretendem influenciar são mais complexos. Será talvez tempo para equacionarmos o Let them come and they will build it. Não temos dele grande experiência mas já fomos obrigados a praticá-lo e com êxito. Descontando o período inicial de transição que o romance de Dulce Maria Cardoso tão bem descreve, a integração dos desalojados das ex-colónias foi em Portugal um claríssimo processo de Let them come and they will build it. Temos de investir na organização deste tipo de processos e ter coragem de construir novas urbanidades no interior a partir desta integração.

Vasto e fascinante material para polemizar no dia 28, entre 16.30 e as 18.30.

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