quarta-feira, 9 de setembro de 2015

O SALTA O MURO




(Reflexões sobre as características do espaço público/privado restaurantes)

Sou um exemplar dos privilegiados (ou fora do tempo consoante as perspetivas) que almoçam regularmente em casa, tirando partido da curta distância-tempo que medeia pelas horas do almoço entre o posto de trabalho e o aconchego do lar. O hoje ministro da Economia Pires de Lima dizia há já algum tempo numa conferência na Católica no Porto que a grande diferença que tinha encontrado na sua atividade de gestor entre Lisboa e o Porto é que em Lisboa almoçava sempre fora em encontro de negócios e que no Porto almoçava sempre em casa. Creio que será um problema cultural mas também um problema de massa crítica, ou seja com quem almoçar para influenciar negócios? Quer isto dizer que sou um CEO de trazer por casa que almoça regularmente no aconchego do lar.

Mas isto não impede que, de quando em vez, lá se tenha de almoçar em Lisboa ou nas imediações de Matosinhos. Hoje, vindo de uma entrevista em Vila Real no Régia Douro Park, o Parque de Ciência e Tecnologia que acaba de receber a aposta política governamental e regional de aí instalar um centro de excelência da vinha e do vinho de ambição internacional, onde mais uma vez constatei que em Portugal as infraestruturas vêm sempre à frente, regressei a um dos meus restaurantes despretensiosos de estimação, o Salta o Muro em Matosinhos, no coração do cluster da restauração, cada vez mais irrespirável com o fumo das brasas e que mostra bem como no fundo nos estamos a marimbar para estapafúrdias legislações comunitárias.

A nossa relação com os restaurantes é das mais misteriosas que podem ser concebidas. O que é que nos faz preferir um em detrimento de outros? Certamente a comidinha mas não apenas, porque nesse aspeto embora a combinatória gastronómica constitua uma inventiva de contornos infinitos, a qualidade média subiu declaradamente em Portugal. O que é que será então que nos leva a privilegiar uns espaços em detrimento de outros? No meu caso muito particular de cliente extremamente irregular, uma tipologia que levaria à ruína qualquer negócio, a singularidade do Salta o Muro é ser recebido como de um cliente assíduo e regular se tratasse. É óbvio que temos o peixe como fator diferenciador e a competência de o grelhar. Mas o que conta é o ambiente tão recetivo para o cliente regular como para o cliente intermitente como eu. Onde é que por aí se pode partilhar uma mesa com um desconhecido sem nos sentirmos intimidados ou inibidos nesse ato horrível de comer sozinho? Já não em muitos sítios e é o ambiente globalmente despretensioso do Salta o Muro que o possibilita. O preço subiu? Sim, é verdade, mas a inimitabilidade dos espaços despretensiosos tem preço e sobretudo a muito baixa probabilidade de neste tipo de espaços encontrarmos pretensiosos, nojentinhos ou outras espécies infelizmente não em extinção.

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