(Reflexões
sobre as características do espaço público/privado restaurantes)
Sou um exemplar dos privilegiados (ou fora do tempo consoante as
perspetivas) que almoçam regularmente em casa, tirando partido da curta
distância-tempo que medeia pelas horas do almoço entre o posto de trabalho e o
aconchego do lar. O hoje ministro da Economia Pires de Lima dizia há já algum
tempo numa conferência na Católica no Porto que a grande diferença que tinha
encontrado na sua atividade de gestor entre Lisboa e o Porto é que em Lisboa
almoçava sempre fora em encontro de negócios e que no Porto almoçava sempre em
casa. Creio que será um problema cultural mas também um problema de massa
crítica, ou seja com quem almoçar para influenciar negócios? Quer isto dizer
que sou um CEO de trazer por casa que almoça regularmente no aconchego do lar.
Mas isto não impede que, de quando em vez, lá se tenha de almoçar em Lisboa
ou nas imediações de Matosinhos. Hoje, vindo de uma entrevista em Vila Real no
Régia Douro Park, o Parque de Ciência e Tecnologia que acaba de receber a
aposta política governamental e regional de aí instalar um centro de excelência
da vinha e do vinho de ambição internacional, onde mais uma vez constatei que
em Portugal as infraestruturas vêm sempre à frente, regressei a um dos meus
restaurantes despretensiosos de estimação, o Salta o Muro em Matosinhos, no
coração do cluster da restauração, cada vez mais irrespirável com o fumo das
brasas e que mostra bem como no fundo nos estamos a marimbar para estapafúrdias
legislações comunitárias.
A nossa relação com os restaurantes é das mais misteriosas que podem ser
concebidas. O que é que nos faz preferir um em detrimento de outros? Certamente
a comidinha mas não apenas, porque nesse aspeto embora a combinatória
gastronómica constitua uma inventiva de contornos infinitos, a qualidade média
subiu declaradamente em Portugal. O que é que será então que nos leva a
privilegiar uns espaços em detrimento de outros? No meu caso muito particular
de cliente extremamente irregular, uma tipologia que levaria à ruína qualquer
negócio, a singularidade do Salta o Muro é ser recebido como de um cliente
assíduo e regular se tratasse. É óbvio que temos o peixe como fator
diferenciador e a competência de o grelhar. Mas o que conta é o ambiente tão
recetivo para o cliente regular como para o cliente intermitente como eu. Onde
é que por aí se pode partilhar uma mesa com um desconhecido sem nos sentirmos
intimidados ou inibidos nesse ato horrível de comer sozinho? Já não em muitos
sítios e é o ambiente globalmente despretensioso do Salta o Muro que o
possibilita. O preço subiu? Sim, é verdade, mas a inimitabilidade dos espaços
despretensiosos tem preço e sobretudo a muito baixa probabilidade de neste tipo
de espaços encontrarmos pretensiosos, nojentinhos ou outras espécies
infelizmente não em extinção.
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