sexta-feira, 18 de setembro de 2015

TECNOLOGIA, QUALIFICAÇÕES E EMPREGO




(Um tema recorrente mas inesgotável)

Em tempos de crescimento económico titubeante, desemprego de longa duração em muitas paragens e modelos económicos diferenciados, precariedade dos empregos que se conseguem arranjar e de volúpia pelo conhecimento, a relação da tecnologia com o crescimento económico, o emprego e as qualificações que o alimentam é tema recorrente de discussão. Mas a recorrência não significa, neste caso, monotonia ou esgotamento de perspetivas. Antes pelo contrário. Temos assistido a uma sucessiva revitalização e enriquecimento do tema, com a Grande Recessão gerada por 2007-2008 a provocar a necessidade de novas ponderações e o questionar de conclusões anteriormente assumidas.

Só aparentemente a questão é marginal para Portugal. Dirão alguns que a maioria das temáticas é própria de economias avançadas, em que a fronteira tecnológica avançou mais do que neste canto da Europa. Isso é verdade. Mas pontualmente a economia portuguesa tem por vezes manifestações dessa fronteira tecnológica. Não consta que o pouco investimento direto que vai chegando ao país venha com tecnologias de velha geração. A prioridade da lucratividade está sempre na combinação da mais moderna tecnologia com condições salariais mais favoráveis, e isso vai-se renovando em função das variações e progressos da tecnologia e do comportamento do mercado de trabalho em Portugal.

Dois artigos muito recentes trazem novas perspetivas a este tema e nesse sentido aqui os acolho, pois se trata de questões que tenderão a influenciar o rumo das políticas públicas no futuro, por mais longínquo que ele possa manifestar-se. Os artigos são assinados um por um economista de grande reconhecimento mundial, William Nordhaus e o outro por um trio de economistas menos conhecido (Francisco Buera, Joseph Kaboski e Richard Rogerson, o primeiro do FED de Chicago e os dois outros das universidades de Notre Dame e de Princeton). Ambos os artigos nascem sob os auspícios da National Bureau of Economc Research uma espécie de FCT para a análise económica.

Nordhaus é um grande economista conhecido pela facilidade com que maneja simultaneamente o rigor teórico e as técnicas de medida e quantificação, distinguindo-se por proporcionar evidência quantitativa a muitas discussões e temas que começam por ser discutidos praticamente em números e que Nordhaus coloca em sentido com explorações quantitativas, sempre engenhosas e não por isso menos rigorosas.


Desta vez, Nordhaus penetra no tema eterno da possibilidade remota ou próxima da tecnologia substituir-se ao homem, simplesmente dispensando-o. Parece ficção científica mas não o é necessariamente. Como sabemos, as tecnologias de informação, sobretudo as tecnologias de computação, foram inicialmente encaradas como algo que iria revolucionar as condições de produtividade. Mas à medida que estas tecnologias foram evoluindo para domínios que ninguém ousava prever (indeterminação do fenómeno inovação), houve quem pensasse que algo de transcendente poderia acontecer. A chamada inteligência artificial poderia evoluir para o que alguns tecnólogos chamam a superinteligência artificial, a existência de intelectos mais inteligentes do que os melhores cérebros humanos podem atingir. Ora, se a computação atingir um dia esse grau, então poderá dizer-se que os supercomputadores serão a última invenção realizada pelo homem, pois a partir da sua invenção o homem seria dispensado da produção. Ou seja, uma máquina superinteligente poderia por si só construir máquinas inteligentes. Daí que a primeira máquina superinteligente seja a última invenção humana. É esse o tema que Nordhaus traz para a discussão, uma espécie de ultrapassagem do buraco negro, regra geral designada na ciência por singularidade, que Nordahus vai buscar ao matemático Irving Good.

As relações entre inteligência e criatividade mereciam um mais amplo desenvolvimento, pois há quem pense que a criatividade nunca poderá ser substituída por um artefacto produto da inteligência humana. Nordahus não vai por aí e limita-se a estudar quão longe estarão as economias mais avançadas dessa estranha singularidade económica. E fá-lo explorando a análise económica, usando conceitos simples como os de elasticidade de substituição entre produtos derivados das tecnologias de informação e produtos convencionais. Como refere, por mais que adoremos os nossos gadgets não os comemos, podemos isso sim é usá-los para nos trazerem a casa o que nos apetecer na hora. E o que é mais interessante é que o faz no consumo (procura) e na produção (oferta). Só por esta análise o trabalho de Nordhaus traria resultados preciosos para compreendermos os processos de desenvolvimento económico. Assim, por exemplo, podemos colocar a interrogação de que tipo de produtos irão representar percentagens mais elevadas de despesa das famílias, os provenientes das TIC ou os produtos convencionais. Nordhaus encontra evidências de que os produtos mais tradicionais apresentam quotas crescentes de despesa ao passo que os produtos das TIC enfrentam tendência contrária. É tudo uma consequência de efeitos-preço e de efeitos-quantidade. Não podemos esquecer que a descida de preços dos produtos das TIC é por vezes vertiginosa, ao passo que os produtos com menores crescimentos de produtividade apresentam preços relativos crescentes. Nordhaus conclui por esta via que do ponto de vista da procura a singularidade está longe, muito longe.

O estudo da singularidade do lado da oferta já está para além da dimensão legítima de um post desta natureza. Mais variáveis são necessárias para avaliar a proximidade da singularidade. É sobretudo relevante o comportamento futuro do peso do capital-informação no stock total de capital. Ele está a crescer mas ainda longe do limiar em que o seu crescimento tenderá a acelerar a taxa de crescimento das economias. Assim, segundo Nordhaus estaremos longe ainda da famigerada singularidade.

O artigo de Buera e companheiros, mais sofisticado matematicamente, acaba por ser complementar desta incursão de Nordhaus pelo tema. A tecnologia costuma ser genericamente responsabilizada pela desigualdade do comportamento dinâmico entre salários de empregos com baixas qualificações e os de empregos com mais elevadas qualificações. Os primeiros tendem a evoluir a taxas bem mais baixas, senão por vezes negativas, do que os segundos. Na literatura económica, esse pecado original da mudança tecnológica é conhecido pela expressão “skill-biased technical change”. A tecnologia não seria neutra. Tenderia a favorecer a procura de qualificações mais elevadas. A questão é mais vasta como aliás já aqui o demonstrei a propósito da chamada polarização dos empregos. Recordo também que o comportamento dos empregos de baixas qualificações tem beneficiado do facto da computação ainda não ter conseguido substituir satisfatoriamente estas tarefas. Mas o que Buera e companheiros nos trazem de conclusão importante é que não se tratará apenas de uma questão de mudança tecnológica não neutral. Os autores mostram, para um período entre 1997 e 2005, que o desenvolvimento económico das economias avançadas (primeiro EUA e depois economias da OCDE) é acompanhado por uma inequívoca progressão do peso do valor acrescentado dos setores com utilização mais intensiva de qualificações, como o mostra inapelavelmente o gráfico que abre este post. O que significa que a questão não é apenas um problema de mudança tecnológica. É também um problema de mudança estrutural da economia. O desenvolvimento económico traz a maior importância de setores intensivos em qualificações. Não há um pecado original da tecnologia. É mais do que isso. É o resultado do próprio processo de desenvolvimento económico. Este também traz a descida do preço relativo dos bens de capital. Ora há mais uma lei estrutural do desenvolvimento económico a pesar sobre o nosso conhecimento dos rumos do futuro que o desenvolvimento trilhará. É a tendência para o peso dos setores mais intensivos em qualificações aumentar.

Uma reflexão final para o perigo deste tipo de análises. Setores com baixa intensidade de qualificações e setores com intensidade de altas qualificações não são classificações estatísticas imutáveis. A tecnologia (inovação) altera as características dos setores em termos de estrutura e intensidade de qualificações. As leis estruturais em economia não são para todo o sempre. Só são válidas em contextos históricos determinados. Nada me garante que a classificação por Buera e companheiros não tenha num futuro próximo que ser alterada.

Fica porém inequivocamente a conclusão de que o futuro do desenvolvimento económico não se promove desistindo da batalha das qualificações ou promovendo a precariedade dos que ficam. Portugal vai amargar a recente diáspora dos mais qualificados que eu gostaria de ver como uma circulação de cérebros de que fala Alexandre Quintanilha nº 1 da lista do PS no Porto. Mas não. A diáspora recente não vai ser para muitos essa circulação. O retorno será muito improvável e Portugal provavelmente não irá nunca beneficiar do efeito conhecimento e qualificações dessa saída.

Estas é que são as reformas estruturais que devemos discutir, as portadoras de futuro e não as que são coveiras desse futuro.

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