(Um tema
recorrente mas inesgotável)
Em tempos de crescimento económico
titubeante, desemprego de longa duração em muitas paragens e modelos económicos
diferenciados, precariedade dos empregos que se conseguem arranjar e de volúpia
pelo conhecimento, a relação da tecnologia com o crescimento económico, o emprego
e as qualificações que o alimentam é tema recorrente de discussão. Mas a recorrência
não significa, neste caso, monotonia ou esgotamento de perspetivas. Antes pelo
contrário. Temos assistido a uma sucessiva revitalização e enriquecimento do
tema, com a Grande Recessão gerada por 2007-2008 a provocar a necessidade de
novas ponderações e o questionar de conclusões anteriormente assumidas.
Só aparentemente a questão é marginal para Portugal. Dirão alguns que a
maioria das temáticas é própria de economias avançadas, em que a fronteira
tecnológica avançou mais do que neste canto da Europa. Isso é verdade. Mas
pontualmente a economia portuguesa tem por vezes manifestações dessa fronteira
tecnológica. Não consta que o pouco investimento direto que vai chegando ao país
venha com tecnologias de velha geração. A prioridade da lucratividade está
sempre na combinação da mais moderna tecnologia com condições salariais mais
favoráveis, e isso vai-se renovando em função das variações e progressos da
tecnologia e do comportamento do mercado de trabalho em Portugal.
Dois artigos muito recentes trazem novas perspetivas a este tema e nesse
sentido aqui os acolho, pois se trata de questões que tenderão a influenciar o
rumo das políticas públicas no futuro, por mais longínquo que ele possa
manifestar-se. Os artigos são assinados um por um economista de grande reconhecimento
mundial, William Nordhaus e o outro por um trio de economistas menos conhecido
(Francisco Buera, Joseph Kaboski e Richard Rogerson, o primeiro do FED de
Chicago e os dois outros das universidades de Notre Dame e de Princeton). Ambos
os artigos nascem sob os auspícios da National Bureau of Economc Research uma
espécie de FCT para a análise económica.
Nordhaus é um grande economista conhecido pela facilidade com que maneja
simultaneamente o rigor teórico e as técnicas de medida e quantificação,
distinguindo-se por proporcionar evidência quantitativa a muitas discussões e
temas que começam por ser discutidos praticamente em números e que Nordhaus
coloca em sentido com explorações quantitativas, sempre engenhosas e não por
isso menos rigorosas.
Desta vez, Nordhaus penetra no tema eterno da possibilidade remota ou próxima
da tecnologia substituir-se ao homem, simplesmente dispensando-o. Parece ficção
científica mas não o é necessariamente. Como sabemos, as tecnologias de
informação, sobretudo as tecnologias de computação, foram inicialmente
encaradas como algo que iria revolucionar as condições de produtividade. Mas à
medida que estas tecnologias foram evoluindo para domínios que ninguém ousava
prever (indeterminação do fenómeno inovação), houve quem pensasse que algo de
transcendente poderia acontecer. A chamada inteligência artificial poderia
evoluir para o que alguns tecnólogos chamam a superinteligência artificial, a
existência de intelectos mais inteligentes do que os melhores cérebros humanos
podem atingir. Ora, se a computação atingir um dia esse grau, então poderá
dizer-se que os supercomputadores serão a última invenção realizada pelo homem,
pois a partir da sua invenção o homem seria dispensado da produção. Ou seja,
uma máquina superinteligente poderia por si só construir máquinas inteligentes.
Daí que a primeira máquina superinteligente seja a última invenção humana. É
esse o tema que Nordhaus traz para a discussão, uma espécie de ultrapassagem do
buraco negro, regra geral designada na ciência por singularidade, que Nordahus
vai buscar ao matemático Irving Good.
As relações entre inteligência e criatividade mereciam um mais amplo
desenvolvimento, pois há quem pense que a criatividade nunca poderá ser
substituída por um artefacto produto da inteligência humana. Nordahus não vai
por aí e limita-se a estudar quão longe estarão as economias mais avançadas
dessa estranha singularidade económica. E fá-lo explorando a análise económica,
usando conceitos simples como os de elasticidade de substituição entre produtos
derivados das tecnologias de informação e produtos convencionais. Como refere,
por mais que adoremos os nossos gadgets não os comemos, podemos isso sim é usá-los
para nos trazerem a casa o que nos apetecer na hora. E o que é mais
interessante é que o faz no consumo (procura) e na produção (oferta). Só por
esta análise o trabalho de Nordhaus traria resultados preciosos para
compreendermos os processos de desenvolvimento económico. Assim, por exemplo, podemos
colocar a interrogação de que tipo de produtos irão representar percentagens
mais elevadas de despesa das famílias, os provenientes das TIC ou os produtos
convencionais. Nordhaus encontra evidências de que os produtos mais
tradicionais apresentam quotas crescentes de despesa ao passo que os produtos das
TIC enfrentam tendência contrária. É tudo uma consequência de efeitos-preço e
de efeitos-quantidade. Não podemos esquecer que a descida de preços dos
produtos das TIC é por vezes vertiginosa, ao passo que os produtos com menores
crescimentos de produtividade apresentam preços relativos crescentes. Nordhaus conclui por esta via que do ponto de vista da procura a singularidade está
longe, muito longe.
O estudo da singularidade do lado da oferta já está para além da dimensão
legítima de um post desta natureza. Mais variáveis são necessárias para avaliar
a proximidade da singularidade. É sobretudo relevante o comportamento futuro do
peso do capital-informação no stock total de capital. Ele está a crescer mas
ainda longe do limiar em que o seu crescimento tenderá a acelerar a taxa de
crescimento das economias. Assim, segundo Nordhaus estaremos longe ainda da
famigerada singularidade.
O artigo de Buera e companheiros, mais sofisticado matematicamente, acaba
por ser complementar desta incursão de Nordhaus pelo tema. A tecnologia costuma
ser genericamente responsabilizada pela desigualdade do comportamento dinâmico
entre salários de empregos com baixas qualificações e os de empregos com mais
elevadas qualificações. Os primeiros tendem a evoluir a taxas bem mais baixas,
senão por vezes negativas, do que os segundos. Na literatura económica, esse
pecado original da mudança tecnológica é conhecido pela expressão “skill-biased technical change”. A
tecnologia não seria neutra. Tenderia a favorecer a procura de qualificações
mais elevadas. A questão é mais vasta como aliás já aqui o demonstrei a propósito
da chamada polarização dos empregos. Recordo também que o comportamento dos
empregos de baixas qualificações tem beneficiado do facto da computação ainda não
ter conseguido substituir satisfatoriamente estas tarefas. Mas o que Buera e
companheiros nos trazem de conclusão importante é que não se tratará apenas de
uma questão de mudança tecnológica não neutral. Os autores mostram, para um período
entre 1997 e 2005, que o desenvolvimento económico das economias avançadas
(primeiro EUA e depois economias da OCDE) é acompanhado por uma inequívoca
progressão do peso do valor acrescentado dos setores com utilização mais
intensiva de qualificações, como o mostra inapelavelmente o gráfico que abre
este post. O que significa que a
questão não é apenas um problema de mudança tecnológica. É também um problema
de mudança estrutural da economia. O desenvolvimento económico traz a maior
importância de setores intensivos em qualificações. Não há um pecado original
da tecnologia. É mais do que isso. É o resultado do próprio processo de
desenvolvimento económico. Este também traz a descida do preço relativo dos
bens de capital. Ora há mais uma lei estrutural do desenvolvimento económico a
pesar sobre o nosso conhecimento dos rumos do futuro que o desenvolvimento trilhará.
É a tendência para o peso dos setores mais intensivos em qualificações
aumentar.
Uma reflexão final para o perigo deste tipo de análises. Setores com baixa
intensidade de qualificações e setores com intensidade de altas qualificações não
são classificações estatísticas imutáveis. A tecnologia (inovação) altera as
características dos setores em termos de estrutura e intensidade de qualificações.
As leis estruturais em economia não são para todo o sempre. Só são válidas em
contextos históricos determinados. Nada me garante que a classificação por
Buera e companheiros não tenha num futuro próximo que ser alterada.
Fica porém inequivocamente a conclusão de que o futuro do desenvolvimento
económico não se promove desistindo da batalha das qualificações ou promovendo
a precariedade dos que ficam. Portugal vai amargar a recente diáspora dos mais
qualificados que eu gostaria de ver como uma circulação de cérebros de que fala
Alexandre Quintanilha nº 1 da lista do PS no Porto. Mas não. A diáspora recente
não vai ser para muitos essa circulação. O retorno será muito improvável e
Portugal provavelmente não irá nunca beneficiar do efeito conhecimento e
qualificações dessa saída.
Estas é que são as reformas estruturais que devemos discutir, as portadoras de futuro e não as que são coveiras desse futuro.
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