(A
degenerescência anunciada do projeto europeu)
Aquilo que vai passando à frente dos nossos
olhos, uma espécie de contraponto entre o desespero dos que fogem à destruição
pela destruição ou ao ruir de equilíbrios sustentados por projetos ditatoriais
e a incompetência e cinismo das lideranças europeias (aqui neste caso com a
devida vénia à exceção da senhora Merkel), tem-me provocado a perceção de algo
que era antecipável. Basta para isso projetar retrospetivamente a nossa atenção
no passado recente da incapacidade europeia para ser VOZ no mundo de hoje. Tal
qual barata tonta ou fingindo simplesmente tratar-se de questões lá bem nos
mundos mais lonqínquos, não tão longínquos como uma rápida análise de um Atlas
qualquer nos poderia esclarecer, a Europa foi- se desligando de qualquer
intervenção ativa na geopolítica mundial como bloco, seja na Líbia, Síria ou
outro qualquer ponto em ebulição.
Nesta minha reflexão, não é tanto a progressiva emergência dos
nacionalismos e projetos populistas na velha Europa que me interessa sublinhar.
É tão generalizada essa perceção que não vale a pena insistir sobre essa matéria.
Mesmo os populismos mais retrógrados vão mais tarde ou mais cedo tomar consciência
de que o futuro de sobrevivência da Europa passa por influxos demográficos e
nos próximos tempos não serão seguramente europeus os que podem assegurar essa
dinâmica. A minha reflexão vai para os recém-chegados do leste europeu. O
pensamento europeu desligou-se também de tentar compreender quão perversas poderiam
ser as transições para a democracia concretizadas a partir do desmantelamento nessas
sociedades das estruturas do velho comunismo de planificação central. Nos meus tempos
universitários do fim dos anos 60 e década de 70 de passagem pelo marxismo, as sociedades
de transição eram um tema de culto, já alimentado por um marxismo mais eclético
e aberto a outras correntes. A transição nestas sociedades foi simplesmente
escamoteada, pelo simples facto que elas representavam a vinda para o lado de cá
de quem tinha estado no lado oposto. Condescendência, tentativa de disseminação
à força da economia de mercado, invocação afetiva das virtualidades de sociedades
resistentes à tirania, perceção de sociedades que trataram a transformação à
lupa das margens de manobra possíveis, tudo contou para não se dedicar a reflexão
necessária ao tipo de sociedades que emergiriam a partir da derrocada das
velhas estruturas comunistas. A progressiva evolução do jogo político democrático
em alguns destes países e sobretudo as inúmeras degenerescências que aqui e ali
foram emergindo no complexo espectro político destes países foram
progressivamente olhadas com indiferença.
A indecente posição dos países do leste europeu, com a Hungria à cabeça e
seguidores potenciais em linha como a Eslováquia, não pode deixar de ser
compreendida à luz dessa transição que ninguém quis aprofundar. O que prova bem
a insensatez com que os diretórios foram pensando a questão europeia e os
sucessivos alargamentos. Talvez fruto de uma lógica de mercado único que tende a
prevalecer sobre tudo, estaremos por isso à beira dos desmoronamento puro e
simples de um projeto quando por mais paradoxal que seja se sucedem os muros no
seu interior.
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