A sensação
que tenho é que poderíamos circunscrever a luta política em Portugal a uma
sucessão alternada e infindável de contrafações à direita e à esquerda (neste
caso para sermos rigorosos no universo do PS), do tipo daquela com que o nosso
tão previsível Passos Coelho nos brindou em matéria de dívidas à segurança
social. Por muito que nos custe haverá por aí matéria que sobre para este ping-pongue circunstancial, do tipo cada
cavadela cada minhoca, acaso o jornalismo quisesse transformar-se efetivamente
em jornalismo de investigação.
Por agora, a previsibilidade de Passos Coelho é
de novo colocada em evidência por um acontecimento que é típico do perfil de
político em que o primeiro-ministro se transformou à medida que se vai
revelando. PC não consegue esconder a forma sobranceira e quase indiferente com
que trata estas questões. O seu sistema de valores torna-o praticamente imune a
esta falta de cumprimento de obrigações básicas para quem exerce o seu poder. E
mostra que para ele a produção legislativa que o seu governo lança cá para fora
encostando à parede os mais fracos é uma produção abstrata que ele não
compreende bem do ponto de vista da aplicação concreta. A sua trajetória
jotista ensinou-lhe que tudo é consertável, um esquecimento ali, uma
interpretação errada da lei acolá, a inversão da realidade se for necessário. Mas
esse autismo providencial impossibilita-o de ver o que todos vêm. Cada
minhocada que se descobre com cada cavadela aumenta o descrédito e a falta de
respeito por quem governa. O significado político de deslizes desta natureza é
profundo, mas PC reserva-lhes sempre o lugar de subalternidade na sua truncada apreciação
política.
Mas neste caso há um pormenor que tem passado
praticamente despercebido. Dois Pedros aparecem neste caso, o Coelho e o Mota
Soares que só por acaso são de partidos diferentes, pelos vistos em fase aguda
de negociação do próximo embate eleitoral. Várias interpretações cabalísticas
podem ser acenadas nesta trapalhada. Saberia Mota Soares e consequentemente o
CDS antes da investigação do Público que o primeiro-ministro estaria em falta? Ou
terá também sido informado pelo próprio jornal? A travestida cena da invocação
do erro da administração foi pedida pelos serviços de Passos ou decorre da
solicitude do próprio Ministro da Segurança Social? Este caso foi ou ainda será
fator de barganha na negociação para uma nova coligação?
Ou seja, nesta história há dois Pedros, mas não
sabemos quantas medidas estiveram aqui em jogo. Uma coisa é certa: dificilmente
o primeiro-ministro nos próximos meses falará de contribuições para a segurança
social sem que uma grande gargalhada ecoe no espaço ou local em que se atrever
a proferir tal declaração. É desta total falta de sentido do pudor político que
se alimenta esta geração que a queda de Sócrates nas tramas que ele próprio
forjou trouxe ao poder. É malta que afirma uma ideia e o seu contrário com o
mesmo tom de voz ou batida de coração. A sua permanência no poder por muito
mais tempo transformar-se-ia num caso de saúde pública. Só temos de velar
porque a substituição não nos traga uma série de clones desta geração, mesmo que
com uma diferente identificação na lapela. Nunca pensei que as eleições se
pudessem transformar numa reivindicação de saúde pública. Na composição do
governo e do parlamento, não esqueçamos.
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