quinta-feira, 19 de abril de 2012

CAPITALISMO DE ESTADO


(Com a devida vénia ao The Economist pela imagem acima)
Em vários posts o Freire de Sousa tem aqui bem evidenciado o ressurgimento do chamado nacionalismo económico, de novo na ribalta com o embate Cristina Fernández – Rajoy na sequência da expropriação de 51% do capital YPF Repsol.
Debruçando-me com mais atenção sobre o tema tinha-me escapado uma referência necessária a um relatório especial do The Economist de 21 de Janeiro de 2012 dedicado a este tema e com o título de “State Capitalism” (Capitalismo de Estado).
Registo para já o ressurgimento do próprio conceito que reaparece uns bons 30 a 40 anos depois dos debates que, sobretudo na segunda metade dos anos 70, as reconfigurações do capitalismo suscitavam. O contexto é hoje distinto e o que faz essencialmente a diferença é o capitalismo de estado reaparecer sobretudo no campo das chamadas economias emergentes, que têm dominado nas duas últimas décadas o crescimento económico mundial e a formação de nova poupança.
No relatório do Economist surgem alguns dados relevantes dos quais merecem referência, por exemplo, a percentagem do valor de capitalização bolsista que é controlado por empresas estatais: 80% na China, 62% na Rússia e 38% no Brasil (dados do índice bolsista Morgan Stanley Capital International-MSCI). Essas evidências alargam-se aos países petrolíferos, à India e a outras economias emergentes, com a vantagem do artigo identificar essas empresas e os principais setores de atividade envolvidos.
Pelo menos no caso da China, o fenómeno tem vindo a alavancar um significativo incremento de investimento privado. Em notícia ontem publicada pelo Business Insider, dava-se conta dessa alavancagem com alguns números que a ilustram de modo pertinente: as empresas controladas pelo Estado representarão hoje cerca de 60% do PIB chinês e em 20 anos o peso do emprego urbano dessas empresas terá passado de 60 para 19% do emprego urbano total. E, nos últimos dois anos, a taxa de investimento das empresas privadas terá ultrapassado a das empresas com controlo estatal. Subsiste o seu controlo praticamente absoluto na petroquímica, telecomunicações, transporte aéreo, energia e sistema financeiro.
Mas o que emerge como algo de substancialmente distinto dos debates dos anos 70 é a escala global em que a afirmação dessas empresas se processa, com uma capacidade de gestão que já não se limita a burocratas ou a outras personagens do “capitalismo crony (de compadrio)”. E se mantivermos a mesma lógica global de análise, a da economia mundial, então não pode deixar de ser notada a evidência da emergência destas formas de capitalismo de estado coincidir com a crise do modelo ocidental no pós-Consenso de Washington (ou tacherismo/reaganismo, como preferirem).
Esta ideia do capitalismo de estado como fator de alavancagem de estratégias de internacionalização/mundialização agressivas parece-me mais relevante do que uma avaliação estática do peso destas entidades na afetação dos recursos económicos. Aliás, ainda nos meus cursos de Globalização e Desenvolvimento Económico, sempre dei enorme importância à presença desta alavancagem nas estratégias de internacionalização de economias como Singapura e Coreia do Sul, não necessariamente sob a forma de empresas estatais, mas com uma retaguarda estatal muito potente no rearranjo dos grupos económicos empresariais para a internacionalização.
Não está aqui em causa a defesa deste modelo, que continua a conter no seu interior fatores de enfraquecimento a longo prazo, sobretudo em termos de ritmos de inovação. Mas o que importa destacar é que com a sua presença a economia mundial não será mais a mesma. E o que é pertinente destacar é que a coexistência destas potentes manifestações de capitalismo de estado em permanente evolução com uma desorientação completa de rumo a ocidente, particularmente na União Europeia, tem riscos sérios para economias de pequena dimensão e sem poder de influência política como Portugal. A política económica externa da União Europeia continua a ser concebida como se a economia mundial permanecesse fiel às regras da reglobalização económica ensaiada nos anos 80. Fazer política e desenhar estratégias em função de uma miragem pode ser trágico. Se adicionarmos a este contexto o recuo demográfico civilizacional europeu então as nuvens adensam-se. E, enquanto permanecermos apenas focados em antecipar o momento da aterragem económica, mais suave ou brusca, destes gigantes, talvez se perca de vez a perceção de que não estamos a jogar nem no mesmo tabuleiro, nem sequer o mesmo jogo.

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