(Com a devida vénia ao The Economist pela imagem acima)
Em vários posts o
Freire de Sousa tem aqui bem evidenciado o ressurgimento do chamado
nacionalismo económico, de novo na ribalta com o embate Cristina Fernández –
Rajoy na sequência da expropriação de 51% do capital YPF Repsol.
Debruçando-me com
mais atenção sobre o tema tinha-me escapado uma referência necessária a um
relatório especial do The Economist de 21 de Janeiro de 2012 dedicado a este
tema e com o título de “State Capitalism”
(Capitalismo de Estado).
Registo para já o
ressurgimento do próprio conceito que reaparece uns bons 30 a 40 anos depois
dos debates que, sobretudo na segunda metade dos anos 70, as reconfigurações do
capitalismo suscitavam. O contexto é hoje distinto e o que faz essencialmente a
diferença é o capitalismo de estado reaparecer sobretudo no campo das chamadas
economias emergentes, que têm dominado nas duas últimas décadas o crescimento
económico mundial e a formação de nova poupança.
No relatório do Economist surgem
alguns dados relevantes dos quais merecem referência, por exemplo, a
percentagem do valor de capitalização bolsista que é controlado por empresas
estatais: 80% na China, 62% na Rússia e 38% no Brasil (dados do índice bolsista
Morgan Stanley Capital International-MSCI). Essas evidências alargam-se aos
países petrolíferos, à India e a outras economias emergentes, com a vantagem do
artigo identificar essas empresas e os principais setores de atividade
envolvidos.
Pelo menos no caso
da China, o fenómeno tem vindo a alavancar um significativo incremento de
investimento privado. Em notícia ontem publicada pelo Business Insider, dava-se conta dessa alavancagem com alguns
números que a ilustram de modo pertinente: as empresas controladas pelo Estado
representarão hoje cerca de 60% do PIB chinês e em 20 anos o peso do emprego
urbano dessas empresas terá passado de 60 para 19% do emprego urbano total. E,
nos últimos dois anos, a taxa de investimento das empresas privadas terá
ultrapassado a das empresas com controlo estatal. Subsiste o seu controlo
praticamente absoluto na petroquímica, telecomunicações, transporte aéreo,
energia e sistema financeiro.
Mas o que emerge
como algo de substancialmente distinto dos debates dos anos 70 é a escala
global em que a afirmação dessas empresas se processa, com uma capacidade de
gestão que já não se limita a burocratas ou a outras personagens do
“capitalismo crony (de compadrio)”. E
se mantivermos a mesma lógica global de análise, a da economia mundial, então não
pode deixar de ser notada a evidência da emergência destas formas de
capitalismo de estado coincidir com a crise do modelo ocidental no pós-Consenso
de Washington (ou tacherismo/reaganismo,
como preferirem).
Esta ideia do
capitalismo de estado como fator de alavancagem de estratégias de
internacionalização/mundialização agressivas parece-me mais relevante do que
uma avaliação estática do peso destas entidades na afetação dos recursos
económicos. Aliás, ainda nos meus cursos de Globalização e Desenvolvimento
Económico, sempre dei enorme importância à presença desta alavancagem nas
estratégias de internacionalização de economias como Singapura e Coreia do Sul,
não necessariamente sob a forma de empresas estatais, mas com uma retaguarda
estatal muito potente no rearranjo dos grupos económicos empresariais para a
internacionalização.
Não está aqui em
causa a defesa deste modelo, que continua a conter no seu interior fatores de
enfraquecimento a longo prazo, sobretudo em termos de ritmos de inovação. Mas o
que importa destacar é que com a sua presença a economia mundial não será mais a
mesma. E o que é pertinente destacar é que a coexistência destas potentes
manifestações de capitalismo de estado em permanente evolução com uma
desorientação completa de rumo a ocidente, particularmente na União Europeia,
tem riscos sérios para economias de pequena dimensão e sem poder de influência
política como Portugal. A política económica externa da União Europeia continua
a ser concebida como se a economia mundial permanecesse fiel às regras da
reglobalização económica ensaiada nos anos 80. Fazer política e desenhar
estratégias em função de uma miragem pode ser trágico. Se adicionarmos a este
contexto o recuo demográfico civilizacional europeu então as nuvens adensam-se.
E, enquanto permanecermos apenas focados em antecipar o momento da aterragem
económica, mais suave ou brusca, destes gigantes, talvez se perca de vez a
perceção de que não estamos a jogar nem no mesmo tabuleiro, nem sequer o mesmo
jogo.
Sem comentários:
Enviar um comentário