domingo, 29 de abril de 2012

SERENIDADE




Tempo para parar e meditar nas palavras que se apanham numa entrevista em contraciclo com a vertigem das notícias.

A entrevista de José Mattoso ao jornalista António Marujo no Público de hoje constitui um oásis retribuidor que está muito para além do título que o jornalista avidamente colocou numa caixa, pois aparentemente seria ele que chama o leitor à entrevista: “O ‘governo do povo’ favorece quem já tem o poder”.

Numa semana marcada pelo zigue-zague um pouco patético de Cavaco e Silva a puxar pela autoestima dos portugueses e destacando os pretensos símbolos (pontuais) de afirmação externa de Portugal, as palavras de José Mattoso levam-nos para outro lado, para a retaguarda desses símbolos de afirmação externa. Aliás, historicamente a nossa contradição tem sido permanentemente essa: a falta de elos de ligação entre os símbolos da excelência internacional e o que fica para trás.

Por estranho que possa parecer, a investigação histórica de José Mattoso marcou indelevelmente a minha forma de ver a questão da centralização/descentralização em Portugal e a minha própria compreensão do território. Num pequeno opúsculo com a Fundação Mário Soares abriu a sua série editorial, designado de A Identidade Nacional, José Mattoso enuncia em termos sintéticos uma tese que a sua diversifica investigação histórica documenta. A tese é a de que em Portugal o Estado precedeu a Nação e só a centralização do poder político tornou possível a consolidação de uma nação cuja longinquidade não nos cansamos de glorificar. Aliás, a decisão de abrir a linha editorial da Fundação tem certamente a inspiração de Mário Soares que viu certamente na tese uma boa forma de fundamentar a sua rejeição do processo de regionalização do País. Mas a tese de Mattoso não suporta esse simplismo de análise. Permite, pelo contrário, compreender a resiliência do centralismo em Portugal e, por exemplo, as dificuldades de controlo e moderação da despesa pública

Mas a entrevista de Mattoso ao Público está noutro plano, distinguindo entre ideologias e ideais, acusando a ineficácia das primeiras e confiando nas segundas, o que é próprio de um homem de fé, aqui entendida num sentido telúrico, de afirmação do poder da bondade, da cultura e da criatividade.

Mas como exímio medievalista, destaca a maior tolerência e maleabilidade institucional desses tempos, contrariando o primarismo redutor da ideia da idade das trevas. E o que é interessante é a sua denúncia da pouca maleabilidade do Ocidente, da sua incapacidade de entender que “a realização do ser é tão pluriforme, que ninguém pode abarcar essa totalidade”. Mas também a denúncia do primado da racionalização dos opostos, segundo uma interpretação que é muito pessoal e que assenta na triangulação da sabedoria, razão e fé.

Não tirando o mérito aos nossos símbolos da excelência internacional, é mais na robustez interna da excelência do pensamento como o de José Mattoso que a minha autoestima de ser português se recompõe.

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