António Correia de
Campos é uma personalidade que muito aprecio, sobretudo pela sua robustez de
conhecimento na área da economia da saúde, amplamente reconhecida pela
generalidade dos quadrantes, incluindo pelos que mantiveram com a sua intervenção
política um conflito permanente, por exemplo a classe médica ou até mesmo a indústria
farmacêutica ou as farmácias.
A Maternidade
Alfredo da Costa é o que está a dar para a imprensa, mesmo para a que não se
confunde com os tabloides sensacionalistas e por isso a longa entrevista ao Público
de hoje acaba por mergulhar também nesse tema.
O título da
entrevista é pelo menos infeliz, senão mesmo enganoso e atentatório do respeito
pelo leitor: “Não faz sentido nenhum encerrar a nossa melhor maternidade”. O título
não traduz nem por sombras o teor da entrevista, sendo até injusto para com o
pensamento elaborado de Correia de Campos sobre a matéria. Mais interessante é
o parágrafo que se segue imediatamente ao título, onde se afirma que “uma parte
do défice da saúde passa pela pressão autárquica e partidária”. Correia de
Campos invoca certamente a antecâmara do que determinou a sua saída do Governo.
Mas não é nesse
campo que invoco aqui a entrevista. Ela tem uma parte à qual torço
manifestamente o nariz, já que ela representa bem a meu ver a posição muito
pouco promissora que o PS tem mantido em relação ao tema da “accountability”, em bom português “prestar
contas”, “imputação de responsabilidades”, “ser avaliado” se preferirem.
Cito:
Pergunta: Como “pai” do programa de parcerias público-privadas
na saúde, como viu as conclusões das auditorias do Tribunal de Contas e da
Inspeção-Geral de Finanças, que põem em causa os seus principais fundamentos?
Resposta: “Infelizmente, habituei-me a ter uma
opinião muito cética sobre as auditorias quer do TC quer da IGF. Convivi de
perto com uma auditoria da IGF ao Amadora/Sintra. E se a auditoria tivesse sido
bem feita, provavelmente o Estado não teria gasto em tribunal aquilo que teve
de pagar. A auditoria era um conjunto de análises absolutamente
infundamentadas. Quanto às auditorias do TC, não são julgamentos de contas. São
opiniões. Não têm nenhum valor jurídico.”
Esta resposta é
surpreendente e diz muita coisa. Não está aqui em causa a questão de analisar a
competência ou incompetência de tais pareceres ou auditorias. O que está aqui
em causa é o baixo valor que se atribui a duas entidades que quer se queira,
quer não, são as únicas que regularmente podem assegurar condições de “accountability” ao uso de dinheiro público.
E se há dúvidas quanto à capacidade técnica de intervenção dessas entidades,
então quem passa pelo governo com alguma duração tem a obrigação de contribuir
para a sua dignificação, criando as condições de funcionamento exemplar.
Por essa Europa em
que a “accountability” não é letra
morta, os Tribunais de Contas e similares são entidades fortemente interessadas
na dignificação e fundamentação científica da avaliação de políticas públicas,
convivendo bem com as questões da auditoria de entidades públicas. Por isso, o
Professor Correia de Campos que me perdoe, mas a sua posição por vir de quem
vem é particularmente evidenciadora do modo como o PS trata as questões da “accountability”.
Aliás tenho evidências
(pessoais) seguras de que como o consulado Sócrates ignorou plenamente todos os
esforços consistentes de avaliação das diferentes dimensões do QCA III
2000-2006 e até a primeira avaliação global do QREN. A avaliação de políticas públicas
constitui a par da ação do Tribunal de Contas e da Inspeção Geral de Finanças
um vetor crucial de “accountability”
numa sociedade aberta e incomodada com todas as formas de captura do Estado.
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