domingo, 15 de abril de 2012

O PS E A “ACCOUNTABILITY”



António Correia de Campos é uma personalidade que muito aprecio, sobretudo pela sua robustez de conhecimento na área da economia da saúde, amplamente reconhecida pela generalidade dos quadrantes, incluindo pelos que mantiveram com a sua intervenção política um conflito permanente, por exemplo a classe médica ou até mesmo a indústria farmacêutica ou as farmácias.
A Maternidade Alfredo da Costa é o que está a dar para a imprensa, mesmo para a que não se confunde com os tabloides sensacionalistas e por isso a longa entrevista ao Público de hoje acaba por mergulhar também nesse tema.
O título da entrevista é pelo menos infeliz, senão mesmo enganoso e atentatório do respeito pelo leitor: “Não faz sentido nenhum encerrar a nossa melhor maternidade”. O título não traduz nem por sombras o teor da entrevista, sendo até injusto para com o pensamento elaborado de Correia de Campos sobre a matéria. Mais interessante é o parágrafo que se segue imediatamente ao título, onde se afirma que “uma parte do défice da saúde passa pela pressão autárquica e partidária”. Correia de Campos invoca certamente a antecâmara do que determinou a sua saída do Governo.
Mas não é nesse campo que invoco aqui a entrevista. Ela tem uma parte à qual torço manifestamente o nariz, já que ela representa bem a meu ver a posição muito pouco promissora que o PS tem mantido em relação ao tema da “accountability”, em bom português “prestar contas”, “imputação de responsabilidades”, “ser avaliado” se preferirem.
Cito:
Pergunta: Como “pai” do programa de parcerias público-privadas na saúde, como viu as conclusões das auditorias do Tribunal de Contas e da Inspeção-Geral de Finanças, que põem em causa os seus principais fundamentos?
Resposta: “Infelizmente, habituei-me a ter uma opinião muito cética sobre as auditorias quer do TC quer da IGF. Convivi de perto com uma auditoria da IGF ao Amadora/Sintra. E se a auditoria tivesse sido bem feita, provavelmente o Estado não teria gasto em tribunal aquilo que teve de pagar. A auditoria era um conjunto de análises absolutamente infundamentadas. Quanto às auditorias do TC, não são julgamentos de contas. São opiniões. Não têm nenhum valor jurídico.”
Esta resposta é surpreendente e diz muita coisa. Não está aqui em causa a questão de analisar a competência ou incompetência de tais pareceres ou auditorias. O que está aqui em causa é o baixo valor que se atribui a duas entidades que quer se queira, quer não, são as únicas que regularmente podem assegurar condições de “accountability” ao uso de dinheiro público. E se há dúvidas quanto à capacidade técnica de intervenção dessas entidades, então quem passa pelo governo com alguma duração tem a obrigação de contribuir para a sua dignificação, criando as condições de funcionamento exemplar.
Por essa Europa em que a “accountability” não é letra morta, os Tribunais de Contas e similares são entidades fortemente interessadas na dignificação e fundamentação científica da avaliação de políticas públicas, convivendo bem com as questões da auditoria de entidades públicas. Por isso, o Professor Correia de Campos que me perdoe, mas a sua posição por vir de quem vem é particularmente evidenciadora do modo como o PS trata as questões da “accountability”.
Aliás tenho evidências (pessoais) seguras de que como o consulado Sócrates ignorou plenamente todos os esforços consistentes de avaliação das diferentes dimensões do QCA III 2000-2006 e até a primeira avaliação global do QREN. A avaliação de políticas públicas constitui a par da ação do Tribunal de Contas e da Inspeção Geral de Finanças um vetor crucial de “accountability” numa sociedade aberta e incomodada com todas as formas de captura do Estado.

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