quinta-feira, 26 de abril de 2012

ESTARÃO AS COISAS A MUDAR OU O REGRESSO DOS FANTASMAS



Uma missão madrugadora de trabalho a Vigo para começar a preparar, no âmbito do Eixo Atlântico, uma nova edição do Fórum Viana sobre como Pensar a Cidade e dar sequência à obra digital recém-editada sobre os Desafios da Governação das Cidades no século XXI permitiu-me, de permeio com um “cortado” e uma “tostada”, um contacto mais prolongado com a imprensa espanhola e galega.
Destaco do El País um título: “A revolta contra a austeridade fiscal de Merkel cresce na Europa”.
O tema tem que se lhe diga. É capaz de haver no seu enunciado algum triunfalismo excessivo associado a uma eventual vitória de Hollande no dia 6 de Maio, que não é como o Freire de Sousa bem o documentou segura, mas antes dependente de um puzzle bastante complexo, cuja configuração será a meu ver dinâmica até ao dia 6. Talvez mais do que a própria vitória de Hollande, seja a fratura total da direita francesa, que a votação de Le Pen anuncia para os rounds seguintes, a suscitar fantasmas conhecidos. Mesmo já perdidos na memória de alguns, os ditos quando redopiam de novo sob as cabeças dos atónitos (um pouco hipócritas) governantes acabam por exercer alguma influência pelo menos de circunstância.
Mas há mais. Agora também Mário Draghi (BCE) vem reclamar um pacto de crescimento. Esta notícia terá suscitado alguns sorrisos nos rostos de alguns socialistas que dirão, por certo, nos próximos dias, algo de semelhante: Estão a ver até o “insuspeito” Mário Draghi alinha com as teses do nosso secretário-geral. Ora, o problema é que certamente o pacto de crescimento de Hollande não será o mesmo de Draghi e é preciso que alguém comece a tecer isto tudo, urdindo alternativas que joguem no máximo da transformação possível para a relação de forças hoje existente.
Mas não ficamos por aqui. O vazio político na Holanda, longe de poder considerado uma indisciplinada fiscal e, além disso, “bem considerada” pelos mercados, revela uma fragilidade inesperada para satisfazer os 3% de défice exigido por Bruxelas. Ora este facto é bastante novo e mete uma lança mais a norte, pondo a nu a inexequibilidade do pacto fiscal com origem na Alemanha.
Romano Prodi, e aqui já estamos a falar de social-democracia com forte ligação aos meios católicos, não esteve com meias medidas e propõe que a França, a Itália e a Espanha trabalhem em conjunto para relançar a Europa.

Na página inicial da edição digital do Financial Times, pode ler-se ainda um artigo de José Ignacio Torreblanca, diretor do escritório em Madrid do European Council of Foreign Relations: o título é nada mais nada menos do que "Time to say 'basta' to the nonsense of austerity". E termina assim: "A Europa é hoje uma Europa de assimetrias de poder e medo do futuro. Assemelha-se à descrição de Thomas Hobbes do homem em estado bruto: 'pobre, nojento, bruto e pequeno'. Dois anos passados e nem uma medida de crescimento foi adoptada. É tempo de dizer basta". Eloquente, curto e duro.
O que intuo estar a acontecer é a existência de governos conservadores que esperavam uma oportunidade para se manifestarem. Afinal, a sua convicção é que estarão “feitos ao bife” se o populismo nacionalista continuar a ser acirrado pelo mito da austeridade expansionista. Cameron resiste ideologicamente mas a comparação da recessão atual no Reino Unido com a de 1930 coloca-o numa posição de grande fragilidade (ver post anterior).
Na Alemanha, as coisas também mexem. O IG Metall, um dos grandes sindicatos alemães, avança com um número arrasador: mais de 8 milhões de pessoas ganham menos de 400 euros (atenção aos recrutamentos para a Alemanha) e ameaçam com múltiplas greves se o aumento de 6,5% não se produzir.
Onde reside então a indeterminação?
A meu ver na construção necessária de consensos para um modelo de crescimento ajustado ao contexto atual, com atenção, pelo menos:
  • Ao seu conteúdo em emprego e distributivo;
  • À sua capacidade de alinhamento com setores que garantam uma nova expansão de ciclo longo;
  • Certamente à revisão do modelo intervencionista com que a esquerda mais tradicional concebe esse crescimento;
  • A uma regulação mais firme da globalização e sobretudo o estancar da “financialização” dos últimos tempos;
  • A uma maior socialização das condições favoráveis ao incremento da fertilidade, na qual as empresas têm um papel crucial a desempenhar, garantindo à mulher e aos jovens casais condições de trabalho para tal.

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