(com a devida vénia ao Público - Fabrizio Bensch - Reuters)
Uma leitura menos
atenta de alguns traços dominantes na imprensa neste período pascal (para mim
essencialmente o ritual das aleluias na sua máxima pujança de florescimento)
conduzir-nos-ia à ideia de que o mito da austeridade expansionista estaria em
perda. Não seguramente a partir de qualquer concessão de Vítor Gaspar, irrepreensivelmente
alinhado com as orientações da ortodoxia europeia, como resultado de um
processo de “embedded
learning”, ou seja, de aprendizagem enraizada nos gabinetes de Frankfurt
(BCE) com a direção do Gabinete de Estudos desta instituição.
Mas que sinais
dispersos foram surgindo não parece haver dúvidas.
Primeiro, foi a
flexibilização do discurso por parte do FMI, que acaba por ter uma visão mais
global do comportamento global da economia mundial do que as autoridades
europeias, experimentando a pressão, que não é pequena, das economias
emergentes, dada a sua particular situação em matéria de poupança e de
disponibilidade de capital. No caso de Portugal, essa flexibilização pode ter
consequências no período concedido para a consolidação das contas públicas e
nas metas de redução de défice público anunciadas para os mercados. Mas essa
flexibilização continua a padecer do forte constrangimento de um conceito de
reforma estrutural que leva, por exemplo, o FMI a não desistir da
competitividade fiscal, via descida da taxa social única. De qualquer modo, o
discurso mais recente do FMI admite que a evolução recessiva da economia
europeia pode condicionar o ajustamento desenhado o que já não é coisa pouca.
Depois, Merkel e
companhia começam a dar parcialmente o flanco. O Ministro dos Negócios Estrangeiros
alemão Von Loringhoven expressa bem essa preocupação ao afirmar que “temos de
corrigir a perceção errada de que estamos obcecados com a austeridade e de que
não nos preocupamos com o crescimento”. Hoje, Ana Rita Faria no Público associa
essa preocupação a uma mudança de onda política traduzida segundo a jornalista
no facto do consenso político sobre a permanência no euro ter voltado a
estabelecer-se e numa espécie de reencontro da Alemanha com a Europa. Mas, como
veremos mais adiante, a preocupação com a obcessão da austeridade é a meu ver
uma mera questão de semântica. É simplesmente vago que não chegam as preocupações
de austeridade e que é necessário crescimento. Da parte alemã não se vislumbra
qualquer ideia relevante para acomodar a bondosa pretensão de austeridade e
crescimento, sobretudo porque o mito de que a austeridade pode ser
expansionista, esse sim, está desfeito.
O Nobel Eric
Maskin, em entrevista ao Expresso, como sequência do Honoris Causa em Lisboa,
foi contundente: “Mas Keynes ganhou em definitivo, no que respeita à resposta às
recessões e depressões. Isto até foi admitido por Hayek, que não gostava da política
advogada por Keynes, mas que admitia a sua necessidade em certas circunstâncias”.
Curto e incisivo como convém e que mostra bem até que ponto a ilusão da austeridade
expansionista constituirá um dos mais enigmáticos mistérios de desvio do
pensamento económico face às evidências da dura realidade.
A entrevista do
patrão dos patrões, António Saraiva, Presidente da CIP, ao mesmo Expresso deveria
merecer melhor atenção e mudança de rumo à atual governação. A abrir: “Temos
tido muita finança e pouca economia” (ou seja Álvaro conta pouco). Mas a
entrevista vem ao encontro do que tenho defendido neste blogue ser o nó górdio
de toda a ilusão discursiva da atual governação: a não fluidez do crédito. António
Saraiva é contundente: “O principal problema das empresas é o financiamento. Há
PME a morrer com excelentes carteiras de encomendas”. Podem Gaspar e Álvaro
pregarem o que entenderem, irmanados, desavindos, ou simplesmente juntos para
Relvas ver e os fotógrafos captarem. Deixem-se de coisas. Ou recuperam a
fluidez do crédito e o objetivo crescimento é fiável, ou caso contrário
permanecerão para sempre na mera retórica. Daí a indignação com a trapalhada da
Caixa Geral de Depósitos
Por isso, a questão
fundamental não é austeridade e crescimento. A questão essencial é como modelar
a consolidação fiscal em matéria de tempo e de escolhas para ir oferecendo
alguma margem de manobra às políticas de crescimento e sobretudo para
proporcionar uma resposta consistente, estrutural e socialmente almofadada, ao
desemprego. O espanto das autoridades europeias com os últimos números do
desemprego é ridículo e explica bem a mediocridade do pensamento económico que
circula pelos corredores de Bruxelas. E aqui a rotura com a receita macroeconómica
instalada a nível global tem de ser frontal. A receita atual é mais ou menos a
seguinte: disciplina fiscal rigorosa e “quantitative easing” por via monetária,
mais ortodoxo nos EUA e mais atípica na EU através das operações de
financiamento a longo prazo no BCE. Não chega, sobretudo enquanto o espectro da
recessão persistir. São necessárias novas combinações entre menor disciplina
fiscal e facilitação monetária.
Está difícil. A
aprendizagem enraizada nos corredores de Frankfurt de Gaspar parece resistir a
todos os Nobel que nos visitem em ambiente de Honoris Causa. Parece-me que a
academia se vai esgotar trazendo a Lisboa todas as vozes que como Krugman ou
Miskin venham trazer algumas ideias frescas.
Mas Relvas já
resolveu e pronto. Voltaremos aos mercados em 2013. Para memória futura isto
foi dito em tempo de Páscoa.
O prof António Figueiredo não acredita na austeridade com crescimento. Chame-lhe mito. A verdade é que é possível e está a acontecer: Austeridade na economia insustentável, não transaccionável, suportada pelo Estado ou suportada pelo endividamento. Crescimento na economia sadia, transacionável, com endividamento quanto baste, sem encomendas do sector público. Talvez o facto de haver menos compras estatais de consultoria em desenvolvimento regional à empresa que António Figueiredo é sócio/gestor, expliquem a incapacidade de ver bem esta realidade.
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