domingo, 8 de abril de 2012

AUSTERIDADE E CRESCIMENTO

(com a devida vénia ao Público - Fabrizio Bensch - Reuters)

Uma leitura menos atenta de alguns traços dominantes na imprensa neste período pascal (para mim essencialmente o ritual das aleluias na sua máxima pujança de florescimento) conduzir-nos-ia à ideia de que o mito da austeridade expansionista estaria em perda. Não seguramente a partir de qualquer concessão de Vítor Gaspar, irrepreensivelmente alinhado com as orientações da ortodoxia europeia, como resultado de um processo de “embedded learning”, ou seja, de aprendizagem enraizada nos gabinetes de Frankfurt (BCE) com a direção do Gabinete de Estudos desta instituição.
Mas que sinais dispersos foram surgindo não parece haver dúvidas.
Primeiro, foi a flexibilização do discurso por parte do FMI, que acaba por ter uma visão mais global do comportamento global da economia mundial do que as autoridades europeias, experimentando a pressão, que não é pequena, das economias emergentes, dada a sua particular situação em matéria de poupança e de disponibilidade de capital. No caso de Portugal, essa flexibilização pode ter consequências no período concedido para a consolidação das contas públicas e nas metas de redução de défice público anunciadas para os mercados. Mas essa flexibilização continua a padecer do forte constrangimento de um conceito de reforma estrutural que leva, por exemplo, o FMI a não desistir da competitividade fiscal, via descida da taxa social única. De qualquer modo, o discurso mais recente do FMI admite que a evolução recessiva da economia europeia pode condicionar o ajustamento desenhado o que já não é coisa pouca.
Depois, Merkel e companhia começam a dar parcialmente o flanco. O Ministro dos Negócios Estrangeiros alemão Von Loringhoven expressa bem essa preocupação ao afirmar que “temos de corrigir a perceção errada de que estamos obcecados com a austeridade e de que não nos preocupamos com o crescimento”. Hoje, Ana Rita Faria no Público associa essa preocupação a uma mudança de onda política traduzida segundo a jornalista no facto do consenso político sobre a permanência no euro ter voltado a estabelecer-se e numa espécie de reencontro da Alemanha com a Europa. Mas, como veremos mais adiante, a preocupação com a obcessão da austeridade é a meu ver uma mera questão de semântica. É simplesmente vago que não chegam as preocupações de austeridade e que é necessário crescimento. Da parte alemã não se vislumbra qualquer ideia relevante para acomodar a bondosa pretensão de austeridade e crescimento, sobretudo porque o mito de que a austeridade pode ser expansionista, esse sim, está desfeito.
O Nobel Eric Maskin, em entrevista ao Expresso, como sequência do Honoris Causa em Lisboa, foi contundente: “Mas Keynes ganhou em definitivo, no que respeita à resposta às recessões e depressões. Isto até foi admitido por Hayek, que não gostava da política advogada por Keynes, mas que admitia a sua necessidade em certas circunstâncias”. Curto e incisivo como convém e que mostra bem até que ponto a ilusão da austeridade expansionista constituirá um dos mais enigmáticos mistérios de desvio do pensamento económico face às evidências da dura realidade.
A entrevista do patrão dos patrões, António Saraiva, Presidente da CIP, ao mesmo Expresso deveria merecer melhor atenção e mudança de rumo à atual governação. A abrir: “Temos tido muita finança e pouca economia” (ou seja Álvaro conta pouco). Mas a entrevista vem ao encontro do que tenho defendido neste blogue ser o nó górdio de toda a ilusão discursiva da atual governação: a não fluidez do crédito. António Saraiva é contundente: “O principal problema das empresas é o financiamento. Há PME a morrer com excelentes carteiras de encomendas”. Podem Gaspar e Álvaro pregarem o que entenderem, irmanados, desavindos, ou simplesmente juntos para Relvas ver e os fotógrafos captarem. Deixem-se de coisas. Ou recuperam a fluidez do crédito e o objetivo crescimento é fiável, ou caso contrário permanecerão para sempre na mera retórica. Daí a indignação com a trapalhada da Caixa Geral de Depósitos
Por isso, a questão fundamental não é austeridade e crescimento. A questão essencial é como modelar a consolidação fiscal em matéria de tempo e de escolhas para ir oferecendo alguma margem de manobra às políticas de crescimento e sobretudo para proporcionar uma resposta consistente, estrutural e socialmente almofadada, ao desemprego. O espanto das autoridades europeias com os últimos números do desemprego é ridículo e explica bem a mediocridade do pensamento económico que circula pelos corredores de Bruxelas. E aqui a rotura com a receita macroeconómica instalada a nível global tem de ser frontal. A receita atual é mais ou menos a seguinte: disciplina fiscal rigorosa e “quantitative easing” por via monetária, mais ortodoxo nos EUA e mais atípica na EU através das operações de financiamento a longo prazo no BCE. Não chega, sobretudo enquanto o espectro da recessão persistir. São necessárias novas combinações entre menor disciplina fiscal e facilitação monetária.
Está difícil. A aprendizagem enraizada nos corredores de Frankfurt de Gaspar parece resistir a todos os Nobel que nos visitem em ambiente de Honoris Causa. Parece-me que a academia se vai esgotar trazendo a Lisboa todas as vozes que como Krugman ou Miskin venham trazer algumas ideias frescas.
Mas Relvas já resolveu e pronto. Voltaremos aos mercados em 2013. Para memória futura isto foi dito em tempo de Páscoa.

1 comentário:

  1. O prof António Figueiredo não acredita na austeridade com crescimento. Chame-lhe mito. A verdade é que é possível e está a acontecer: Austeridade na economia insustentável, não transaccionável, suportada pelo Estado ou suportada pelo endividamento. Crescimento na economia sadia, transacionável, com endividamento quanto baste, sem encomendas do sector público. Talvez o facto de haver menos compras estatais de consultoria em desenvolvimento regional à empresa que António Figueiredo é sócio/gestor, expliquem a incapacidade de ver bem esta realidade.

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