Luis Sepúlveda não é Bruce Chatwin, esse tão mítico escritor do género designado por “literatura de viagens”. Nem, a meu ver, o excelente “Patagónia Express” suplantou o deslumbrante “Na Patagónia” no tratamento do tema específico.
Mas o chileno voltou ao assunto e deu à estampa no ano passado (com tradução portuguesa, já deste ano, pela “Porto Editora”) mais este belo documento sobre o Sul do Mundo (em associação com a fotografia de Daniel Mordzinski).
Apenas alguns apontamentos avulsos mas impressivos:
· Na estação do Retiro, Buenos Aires: “O belo edifício ressumava nostalgia. Buenos Aires inteira está recoberta com uma pátina de nostalgia, em caso nenhum de melancolia, porque os bons tempos de uma sociedade plena de projetos existiram, e existiu também a cidade foco de irradiação cultural cosmopolita e aberta. A pobreza digna também existiu. Sente-se a nostalgia do arrebatado, não do imaginário.”
· A caminho de El Maitén, na estrada de cascalho que leva ao lago Cholila: “A norte, sul e leste, tínhamos a rala estepe patagónia, e a oeste as longínquas e verdes faldas das cordilheiras. (…) Olhávamos para o caminho solitário, não nos cruzámos com menhum outro veículo, pessoa ou bicho, até que vimos qualquer coisa no horizonte difuso pelas nuvens de pó. (…) Era um homem que caminhava na mesma direção que a nossa. (…) – Anda à procura de alguma coisa? Parou, levantou os óculos protetores e observou-nos detidamente antes de responder. – Ando à procura de um violino.”
· A caminho de El Bolsón, após encontro com a solitária anciã doña Delia, a cujas terras o poder de compra de Silvester Stallone apontara diretamente: “Assim, Rambo, o guerreiro invencível capaz de estripar milhares de vietnamitas, de derrubar helicópteros russos à pedrada lutando ao lado dos talibãs no Afeganistão, foi derrotado por uma velhinha de quase cem anos sem outras armas que não fossem o amor à terra.”
· Em El Bolsón, junto à sepultura de Martin Sheffields, o “gringo” que circulou por aquelas paragens no início do século XX e que era conhecido por “o Sheriff”, o homem que se diz ter ido por lá para capturar a “Quadrilha Selvagem” de assaltantes a bancos (Butch Cassidy, Sundance Kid, Etta Place e Harvey Logan) e ter acabado por pactar um acordo de conveniência de contornos desconhecidos mas que lhe permitiu comprar as muitas terras que depois perdeu: “Num dia de 1922 escreveu uma carta ao diretor do jardim zoológico de Buenos Aires, na qual lhe anunciou a existência de um animal, vivo, cujo ‘habitat’ se localizava sob a superfície da Laguna Negra. A descrição que fez era tão exata, tão rigorosa, que nenhum cientista ou naturalista teve a menor dúvida que se tratava de um plesiossauro. Dezenas de sociedades científicas de todo o mundo disputaram o direito de caçar o plesiossauro. (…) Finalmente, chegaram a Buenos Aires todos quantos ansiavam por se apropriar do animal antediluviano, e, por entre rasteiras, avançaram a tropel rumo à Patagónia. Aí descobriram que o animal da Laguna Negra era um tronco forrado com couro de vaca.”
· Voando de Porvenir para Punta Arenas: “Nada é comparável a voar ao entardecer sobre o estreito de Magalhães. O sol, ao retirar-se para o Pacífico, incendeia as planuras e reflete as suas chamas nos glaciares. Tudo aparenta ser uma brasa gigantesca e, então, à imagem dos antigos navegadores que percorriam o estreito em frágeis embarcações construídas com peles de focas, murmuramos com respeito: sim, é verdade. Esta é a Terra do Fogo.”
Como prefacia o autor, estas são, pois, as “Últimas Notícias do Sul” – “o romance de uma região desaparecida”…
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