quarta-feira, 18 de abril de 2012

À MERCÊ…

Nicolas Paul Stéphane Sarközy de Nagy-Bocsa é tudo aquilo que um político – na aceção nobre da palavra – não devia ser. Para não irmos muito atrás no tempo, convenhamos que o revelou claramente ao longo de todo o recente processo de crise europeia e, muito especialmente – como aliás procurei evidenciar em alguns posts (designadamente 20 de Janeiro e 16 de Fevereiro), à medida que se foi aproximando a data das eleições presidenciais francesas. Acossado pelas sondagens, revela-o agora quotidianamente e sem qualquer espécie de hesitação e pudor. Vejamos uma meia-dúzia de ilustrações deste mês de Abril, entre o desregramento evidenciado em “faits-divers” pontuais e um “n’importe quoi” ao sabor de conveniências utilitaristas em matérias mais substantivas.

1. A “viagem imaginária”: num comício em Caen, afirma que, contrariamente a Hollande, “foi a Fukushima” com a ministra da Ecologia e pôde constatar que a catástrofe tinha sido provocada por um tsunami com “uma vaga de 42 metros”. Dias depois, confrontado com a realidade, declara: “não sou engenheiro, não preciso de ir meter o nariz na situação em Fukushima, onde aliás há um perímetro interdito”.
2. A colaboração involuntária de Obama na campanha: o Eliseu autorizou que uma câmara de televisão filmasse o início de uma vídeo-conferência oficial entre os presidentes francês e americano, numa “operação de comunicação grotesca” e contrária à tradição estabelecida e segundo a qual, “para preservar a confiança e a qualidade dos trabalhos diplomáticos”, devem permanecer confidenciais as trocas regulares entre chefes de Estado.
3. A reescrita das relações com Kadhafi: uma simples consulta do sítio do Eliseu chega para evidenciar o quanto o ditador líbio se lhe fora tornando “frequentável” e a “realpolitik” para com ele praticável (“se devem ser vendidos aviões de caça, pois que seja a França a vendê-los”), desmentindo as suas recentes proclamações de que “nunca foi questão de vender uma central nuclear ao senhor Kadhafi” ou de que “se há um chefe de Estado que, no mundo, não se associou com o senhor Kadhafi e é responsável pela sua partida e pelo que lhe aconteceu, penso que talvez seja eu”.
4.
A agitação de espantalhos em caso de derrota: a dificuldade está na escolha, mas algumas frases são sintomáticas, desde a afirmação de que “a situação que conhecem hoje os nossos amigos espanhois, após aquela que conheceram os nossos amigos gregos, torna a chamar-nos à realidade” até à de que “em 1981, demorou dois anos, desta vez demorará dois dias” ou, ainda, à de que “se a esquerda vencer as presidenciais terá todos os poderes, mediático, sindical, político… Isso não será sadio nem equilibrado para a República.”
5.
A transição discursiva sobre a crise europeia: “sou pela independência [do banco central], mas justamente porque existe a independência é necessário poder discutir (…) a condição da independência é o diálogo, é justamente porque se é independente que se deve dialogar. (….) O que não aceito é essa ideia louca que consiste em dizer que, porque o banco central é independente, não temos o direito de falar, é totalmente ao contrário”.
6. A descarada consagração de um novo discurso sobre a crise europeia: apontando o dedo aos “limites das regras fixadas [ao BCE] no tratado de Maastricht”, grita convictamente (!!!) na Concórdia que “se o banco central não apoiar o crescimento, não teremos crescimento bastante”, acrescentando ainda que “quero colocar não apenas o problema das fronteiras mas também o do papel do banco central no apoio ao crescimento. É uma questão que não podemos evitar. Porque a Europa, se não quiser perder o pé na economia mundial, deve absolutamente relançar o crescimento.”

Pelo meio, e entre variados episódios, destaco a insólita hostilidade com que se dirigiu ao “Financial Times” por este ter saudado a tomada de posição de François Hollande em favor da adoção de uma estratégia de crescimento na Europa! Nicolas, ao tempo ainda rendido/submetido aos encantos/ditames de Angela, veio então dizer que “eles não estão de acordo comigo” porque “eu não estou de acordo com eles” e explicar que “o FT estima há anos que a solução para o mundo está em não haver leis (…), eu penso exatamente o contrário” e que “o FT explica-nos que é preciso fazer exatamente como a Grâ-Bretanha, que está numa situação económica bem pior do que a França”. A contra-resposta não se fez naturalmente esperar, juntando à ironia de um “pois bem, nós também não gostamos de ti, Sarko” uma asserção lapidar: “a economia francesa é de tal modo sólida na perspetiva do presidente que ele avisou os franceses esta semana contra um cenário ‘à grega’ se o seu rival socialista fosse eleito”.

Mas se a personalidade complexa e retorcida de Nicolas não ajuda, a sua “entourage” não tem sido também eficaz a enfrentar a encruzilhada de dilemas estratégicos que se apresenta(ra)m à candidatura. A escassos dias da primeira volta, a desorientação domina, designadamente em três eixos marcantes: prosseguir uma campanha de direita ou recentrar? / continuar a apostar na propositura, ainda que com ecos pouco visíveis? / persistir numa abordagem da crise assente numa quase salvaguarda pessoal face a um espetro de falência atribuído aos socialistas, mas com a França já sob a mira dos mercados?

De uma coisa podemos estar certos: “Monsieur Bruni” é obstinado e irá até ao fim de linha na sua senda de inverdades e piruetas. Conseguirá, ainda assim, resolver todos aqueles impasses a seu contento? Ou irá, em alternativa, ceder perante “Monsieur Normal” e assim permitir a abertura de uma pequena janela de oportunidade de mudança? Porque, por mais que o “The Economist” queira apontar uma “France in denial” e “the West’s most frivolous election”, o drama dessa tão maltratada Europa passa mesmo por lá!

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