domingo, 15 de abril de 2012

BAIRRO DOS LIVROS



Com organização da cooperativa cultural CulturePrint, abriu ontem num sábado instável, por vezes desagradável, mas com sol também por vezes radioso, o Bairro dos Livros, cuja reportagem do Público é muito empática e sugestiva. Passei com amigos pela primeira metade da tarde pelo território do Bairro dos Livros e penso que essa reportagem acaba afetivamente por reproduzir bem o ambiente criado. É sempre acolhedor rever imagens urbanas de percursos que deixamos de fazer ou se atravessam num lufa-lufa quotidiano pouco propenso a levantar os olhos para fachadas, telhados, janelas.
O Bairro dos Livros pode ser também entendido como um exemplo de projeto de “quarteirão cultural”, modalidade de animação urbana que vai fazendo a sua trajetória por muitas cidades desse mundo e que aposta numa família específica de atmosferas urbanas que fazem a diferença em termos de convivialidade de alguns espaços. Talvez inspirada pelo êxito do espaço das galerias de Miguel Bombarda e adjacências que, como qualquer atmosfera urbana que se preze, precedeu qualquer política pública local de acolhimento ou promoção, o Bairro dos Livros pretende também explorar a concentração de livrarias, sobretudo temáticas, bouquinistes à moda do Porto, espaços culturais de nova geração em que o livro seja uma peça entre outras de espaços de fruição acolhedora do tempo, sobretudo para os que apostam num tempo urbano mais espesso, lento, de fruição.
A iniciativa confronta-se com desafios de envergadura que não podem ser ignorados e que penso estarem a ser tidos em devida conta por quem tem já ampla experiência de intervenção nestes tipos de biorritmos da Cidade.
Em primeiro lugar, a questão da regularidade, condição indispensável para que o efeito demonstração se produza não só do ponto de vista de procura e de visitantes, mas também de protagonistas de oferta de espaços, frequentemente atomizados e renitentes às iniciativas coletivas. A notícia do Público sugere que a recetividade ao alargamento do número de protagonistas tem sinais encorajadores. Espero que sim.
O segundo desafio prende-se com a baixa intensidade de vivência residencial da zona em que a iniciativa tem lugar. Há alguns projetos de revitalização dessa função como os de Carlos Alberto, mas globalmente o território do Bairro dos Livros apresenta ainda sinais evidentes de desertificação residencial. É um obstáculo à criação das atmosferas pretendidas, pois a animação exige sempre uma vinda de fora. E aqui a reduzida massa crítica de gente propensa a estas formas de animação será sempre uma limitação a contornar, exigindo uma comunicação mais intensa. Não é uma inibição. É simplesmente um condicionante.
O terceiro desafio é gerar condições complementares apropriadas. E aqui a Câmara Municipal não pode assobiar para o lado. Não chega disponibilizar o Palacete Visconde de Balsemão, onde nunca tinha entrado. É por exemplo necessário disciplinar estacionamentos, questão onde se instalou alguma anarquia. Ontem, na deambulação pelo território, interessado em dar uma olhadela pela montra de uma das livrarias “bouquinistes” que estava fechada encontrei um Mercedes de um palerma qualquer que não encontrou outro sítio mais adequado para estacionar do que à frente de duas montras de livraria, bloqueando o acesso visual à mesma. É nestes pormenores que se pressente a falta de cultura de urbanidade. Aparentemente quem tem um Mercedes pode bem estacionar num parque pago.
A diversidade da oferta constitui seguramente um ativo de toda esta iniciativa. Passei por uma Leitura quase vazia para comprar o livro de Alfredo Barroso sobre a crise da esquerda europeia e o novo ensaio de Habermas sobre a Constituição da Europa. O vazio estranho da Leitura contrastava com o reboliço da Lello, onde as palavras mais ouvidas eram “No pictures, no pictures, please”. 
Longa vida ao Bairro dos Livros, com toda esta diversidade.

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