Com organização da
cooperativa cultural CulturePrint, abriu ontem num sábado instável, por vezes
desagradável, mas com sol também por vezes radioso, o Bairro dos Livros, cuja
reportagem do Público é muito empática e sugestiva. Passei com amigos pela
primeira metade da tarde pelo território do Bairro dos Livros e penso que essa
reportagem acaba afetivamente por reproduzir bem o ambiente criado. É sempre
acolhedor rever imagens urbanas de percursos que deixamos de fazer ou se
atravessam num lufa-lufa quotidiano pouco propenso a levantar os olhos para
fachadas, telhados, janelas.
O Bairro dos
Livros pode ser também entendido como um exemplo de projeto de “quarteirão cultural”,
modalidade de animação urbana que vai fazendo a sua trajetória por muitas
cidades desse mundo e que aposta numa família específica de atmosferas urbanas
que fazem a diferença em termos de convivialidade de alguns espaços. Talvez
inspirada pelo êxito do espaço das galerias de Miguel Bombarda e adjacências
que, como qualquer atmosfera urbana que se preze, precedeu qualquer política pública
local de acolhimento ou promoção, o Bairro dos Livros pretende também explorar
a concentração de livrarias, sobretudo temáticas, bouquinistes à moda do Porto,
espaços culturais de nova geração em que o livro seja uma peça entre outras de
espaços de fruição acolhedora do tempo, sobretudo para os que apostam num tempo
urbano mais espesso, lento, de fruição.
A iniciativa
confronta-se com desafios de envergadura que não podem ser ignorados e que
penso estarem a ser tidos em devida conta por quem tem já ampla experiência de
intervenção nestes tipos de biorritmos da Cidade.
Em primeiro lugar,
a questão da regularidade, condição indispensável para que o efeito demonstração
se produza não só do ponto de vista de procura e de visitantes, mas também de
protagonistas de oferta de espaços, frequentemente atomizados e renitentes às
iniciativas coletivas. A notícia do Público sugere que a recetividade ao
alargamento do número de protagonistas tem sinais encorajadores. Espero que
sim.
O segundo desafio
prende-se com a baixa intensidade de vivência residencial da zona em que a
iniciativa tem lugar. Há alguns projetos de revitalização dessa função como os
de Carlos Alberto, mas globalmente o território do Bairro dos Livros apresenta
ainda sinais evidentes de desertificação residencial. É um obstáculo à criação
das atmosferas pretendidas, pois a animação exige sempre uma vinda de fora. E
aqui a reduzida massa crítica de gente propensa a estas formas de animação será
sempre uma limitação a contornar, exigindo uma comunicação mais intensa. Não é
uma inibição. É simplesmente um condicionante.
O terceiro desafio
é gerar condições complementares apropriadas. E aqui a Câmara Municipal não
pode assobiar para o lado. Não chega disponibilizar o Palacete Visconde de
Balsemão, onde nunca tinha entrado. É por exemplo necessário disciplinar
estacionamentos, questão onde se instalou alguma anarquia. Ontem, na deambulação
pelo território, interessado em dar uma olhadela pela montra de uma das
livrarias “bouquinistes” que estava fechada encontrei um Mercedes de um palerma
qualquer que não encontrou outro sítio mais adequado para estacionar do que à
frente de duas montras de livraria, bloqueando o acesso visual à
mesma. É nestes pormenores que se pressente a falta de cultura de urbanidade. Aparentemente
quem tem um Mercedes pode bem estacionar num parque pago.
A diversidade da
oferta constitui seguramente um ativo de toda esta iniciativa. Passei por uma
Leitura quase vazia para comprar o livro de Alfredo Barroso sobre a crise da esquerda
europeia e o novo ensaio de Habermas sobre a Constituição da Europa. O vazio
estranho da Leitura contrastava com o reboliço da Lello, onde as palavras mais
ouvidas eram “No pictures, no pictures, please”.
Longa vida ao Bairro dos
Livros, com toda esta diversidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário